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Por Luis Nassif

“O agrupamento que derrubou Dilma Rousseff é um corpo formado de vários pedaços distintos e sem um cérebro para comandá-los.

Cada Ministro nomeado pretende reeditar os gritos de guerra da Câmara, ganhar visibilidade à custa de qualquer patacoada e oferecer a conquista a seus padrinhos econômicos.

A sequência de declarações desastrosas é inédita na história política do país. Substitui-se o presidencialismo de coalizão por um pterodátilo político que poderia ser batizado de presidencialismo condominial. Trata-se de uma experiência inédita.

Eles não devem seus cargos a um presidente eleito pelo voto, mas é o presidente interino que deve seu cargo a eles.

Com isso, o presidente da República não dispõe de ferramentas de comando ou de articulação de suas ações.

É isso que leva o Ministro da Saúde a anunciar a redução do SUS, o de Desenvolvimento Social a proclamar a redução da Bolsa Família, leva a um desenho disfuncional dos ministérios, misturando Educação com Cultura, Ciência e Tecnologia com Comunicação, Desenvolvimento Agrária com Desenvolvimento Social e INSS.

Grosso modo pode-se dividir a moderna história política do país em três períodos:

  1. a ditadura militar, com o comando claramente centralizado;

  2. o período democrático, com o partido no poder, PSDB ou PT, apoiando-se em um “centrão”, mas limitando-se a entregar alguns anéis, entre os quais não se incluía o comando absoluto dos ministérios; e, agora;

  3. o período da transição pós-democrática, com esse presidencialismo condominial, na qual cada Ministro recebe o ministério de porteira fechada e age como dono do seu território.

O condomínio está repartido entre as seguintes frentes:

Polo majoritário – A ala política liderada pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha ficou com a maior parte dos Ministérios e a maior bancada da Câmara.

Polo tucano – O PSDB deverá emplacar dirigentes de estatais estrategicamente colocados em postos-chave, BNDES e provavelmente Petrobras.

Polo mercadista –   Henrique Meirelles e sua equipe.

As linhas auxiliares – o STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), através da proatividade do Ministro Gilmar Mendes e da anomia de seus pares; e o Ministério Público Federal, através da Lava Jato e da Procuradoria Geral da República.

Cada instituição – Executivo, Legislativo, Judiciário e MPF, blocos políticos – não pode mais ser analisada de acordo com os cânones que vigoraram até meses atrás. Não existe mais o sistema de freios e contrapesos, nem a necessidade de cada poder legitimar seus atos perante a opinião pública, características dos modelos democráticos.

Um primeiro ponto a acompanhar, portanto, serão os embates políticos entre as forças vencedoras. Fique atento ao noticiário sobre dois pontos específicos:

A disputa entre o centrão de Eduardo Cunha e a aliança PSDB-DEM pela liderança do governo na Câmara.

Os movimentos da Lava Jato e da PGR contra o grupo Cunha. Será possível identificar a preocupação em casar operações com o tempo político do PSDB, como sucedeu na fase final da Lava Jato.

Os fatores legitimadores:

Mercado e opinião pública já captaram as características desse presidencialismo condominial – e, decididamente não aprovaram.

As manifestações se multiplicam, aumenta a frente anti-Temer, espalhando-se até pelos chamados “coxinhas” – o público mais sensível à influência da velha mídia.

Esse público é influenciado também pelo universo das celebridades – artistas de TV, cantores, personalidades do teatro, ícones de direitos humanos.

E, nesse campo, as críticas contra o governo interino são crescentes.

Nem mesmo a Rede Globo poderá se manter insensível, já que esses ventos chacoalham o ponto central de sua influência: seu cast de artistas de novelas.

Dois movimentos são significativos dessa rejeição ao governo Temer:

A dificuldade em encontrar uma grande mulher para a Secretaria da Cultura;

A retirada de campo de alguns agentes oportunistas que atuaram no processo de queda de Dilma, como Cristovam Buarque e assemelhados.

E aí se entra em um dilema complicado.

A maneira de setores do governo cooptar personalidades independentes seria acenar com a lógica do mal menor.

Ou seja, se o governo é conservador, contra direitos humanos, venha para cá para ajudar a amenizar o jogo.

É uma aposta perigosa, na qual o convidado joga sua reputação.

Como será visto no futuro: como o soldado solitário que conseguiu preservar algumas nesgas de direitos humanos em um governo fundamentalista; ou como o intelectual cooptado que, em troca de migalhas, ajudou a legitimar um governo anti-direitos-humanos?

É o movimento ensaiado pelo Ministro da Justiça interino Alexandre de Moraes, uma espécie de camaleão político: adapta-se às funções e às expectativas políticas do momento.

Como Secretário de Justiça e Cidadania do governo paulista, foi um bom interlocutor dos setores de direitos humanos.

Depois, como Secretário do prefeito Gilberto Kassab vestiu o figurino de gestor, potencialmente candidato. Como Secretário de Segurança de Geraldo Alckmin liberou geral a violência da Polícia Militar.

No Ministério da Justiça ainda é um enigma atrás de uma interpretação.

Ontem conseguiu o feito de atrair para a Secretaria de Direitos Humanos a procuradora e jurista Flávia Piovesan, de boa reputação na área de direitos humanos.

Setores internos da SDH receberam a indicação com alívio; a comunidade jurídica anti-impeachment com desconfiança.

Há poucas dúvidas de que Moraes tentará utilizar a Polícia Federal na repressão aos movimentos sociais, possivelmente em parceria com o general Sérgio Etchgoyen, do renascido Gabinete de Segurança Institucional, militar que mais se insurgiu contra a Comissão da Verdade e outras iniciativas da justiça de transição.

Aí se entra nesse paradoxo extraordinário: a atuação mais restrita de pessoas como Flávia Piovesan servirá de álibi para a atuação ostensiva do Ministro na repressão aos movimentos sociais.

Se conseguir administrar as duas frentes, ou arejar o governo, Alexandre de Moraes receberá o título de equilibrista do ano.

Se não conseguir, cada grande nome que levar para o governo será um grande nome a sair mais à frente atirando.

Os paradoxos do PT e Dilma.

Dizia-se lá atrás que o maior trunfo de Dilma era a fraqueza estratégica da oposição.

Pode-se dizer o mesmo para o governo interino de Temer.

No Senado, não há certeza sobre os votos necessários para a confirmação do impeachment.

A deslegitimação do governo Temer junto à opinião pública é um elemento de pressão sobre um grupo expressivo de parlamentares.

A perda de rumo do senador Cristovam Buarque, ou do senador Romário são elementos significativos desse estado de ânimo.

A favor de Temer pesam os seguintes fatores:

Dificilmente as forças auxiliares do golpe endossarão um segundo afastamento de presidente.

Dilma terá dificuldades de construir uma narrativa com credibilidade sobre o que poderia ser seu governo, em caso de rejeição do impeachment. Não adianta apenas denunciar o golpe se não apresentar à opinião pública uma Dilma viável.

E Dilma não parece em condições de construir essa narrativa.

O PT já desistiu de Dilma.

São curiosas essas relações Dilma-PT. Há enormes razões para ressentimentos mútuos. E também razões de ordem prática: uma eventual volta de Dilma não é a menor garantia de que a presidente vá conseguir se despir de seus pecados administrativos.

Mas, por várias razões – pela pouca legitimidade da operação que apeou Dilma – pela primeira vez Dilma tornou-se um símbolo popular, não pelo seu governo, mas por representar a defesa da democracia.

Há um enorme movimento por todo o país, tendo Dilma no centro.

Ao romper com Dilma, o PT abre mão de estar à frente desse movimento.

Em breve novas lideranças surgirão nesse vácuo aberto.

GGN [http://jornalggn.com.br/]: 18/05/2016.

Luis Nassif . Jornalista.


Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

 

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