Em Conjuntura Internacional, Destaques

Após delinear a rivalidade em curso entre Pequim e Washington, na busca da liderança mundial, vou agora deter-me em regiões específicas do grande entorno chinês. Começarei pelo Sudeste Asiático, região que abarca – em terra firme e num conjunto de ilhas – os dez países da ANSEA (Associação das Nações do SudEste Asiático), além do crucial Mar do Sul da China. Essa vasta região está estreitamente ligada à demografia e à história chinesas. Nos dois últimos séculos veio a ser cenário de ação colonialista (as Filipinas) e estratégica dos EUA. Em 2015, Washington ocupou-se bastante da ANSEA. A 26do Partido Comunista do Vietnã (julho) e o Presidente Joko Widodo, da Indonésia (outubro), fizeram significativas visitas a Washington. Mas foi Barack Obama que deu relevo ao processo, com sua ida em novembro a Kuala Lumpur para a sessão anual da cúpula EUA-ANSEA e a Cúpula do Leste Asiático (EAS, na sigla inglesa). Da Malásia, Obama viajou para Manila, a fim de assistir à sessão da APEC. Na cúpula com a ANSEA, os dois lados acertaram elevar o relacionamento entre eles ao nível de “parceria estratégica”, e Obama ampliou a cooperação, convidando todos os parceiros para um encontro em território americano. Esse encontro já se realizou, em fevereiro de 2016, no rancho de Sunnylands, na California, saudado pela mídia oficial americana como o triunfo da decisão de Obama de rebalancear para a Ásia-Pacífico o centro estratégico das preocupações asiáticas dos EUA (o famoso pivot).

Em Pequim, o esforço americano de rebalanceamento estratégico para a Ásia-Pacífico é visto como busca de contenção das reivindicações chinesas no Mar do Sul da China, num espírito, acusa a China, de grande parcialidade, ou seja, levantando obstáculos às pretensões chinesas, mas não às de alguns países da ANSEA. É na verdade possível distinguir, entre os dez membros dessa associação, um grupo que dá primazia à manutenção de boas relações com a China (Laos, Camboja e Mianmar) e os que de alguma forma contestam as teses chinesas, ou formulam reivindicações próprias, em geral com apoio de Washington. É o caso, em particular das Filipinas e do Vietnã. Em 2012, com respaldo americano, os membros da ANSEA concordaram em elaborar um Código de Conduta que criasse “regras do caminho”, capazes de bloquear atos de beligerância entre eles e a China, mas Pequim não tem manifestado entusiasmo com um Código de cuja elaboração não participou. Os chineses levam, então, adiante, unilateralmente, a alteração do terreno no Mar do Sul da China, com o aterro do espaço entre as ilhotas e recifes nos arquipélagos por eles reivindicados, de modo inclusive a permitir a construção de pistas de pouso

Do lado americano, o Governo Obama costuma pôr ênfase em que seu “pivô” para a Ásia-Pacífico não é dirigido contra um país determinado. Visa, ao contrário, criar um ambiente de segurança, no qual todas as potências da área, indo até a Índia, possam igualmente contribuir para a tranquilidade geral, mantendo o propósito de que alterações no status quo territorial só possam ser efetuadas através de negociações. Na sua maioria, os membros da ANSEA simpatizam com as posições americanas, mas a vertente econômica do “pivô”, a Parceria TransPacífica, assinada no segundo semestre de 2015 após consideráveis delongas, está ameaçada de morte conforme se decidam as eleições presidenciais nos EUA, e de todo modo, suas perspectivas empalidecem diante do crescimento do intercâmbio comercial da China com os países do seu entorno, já na casa dos trilhões de dólares. Os países da ANSEA tendem a colaborar com a vertente militar da ação americana: capacidade militar aumentada; multiplicação dos exercícios militares conjuntos; ajuda no fortalecimento das forças armadas locais. A China insiste em ver todas essas atividades como hostis às preocupações da RPC, levantando objeções em particular à intensa vigilância do Comando do Pacífico sobre os portos e aeroportos no interior do Mar Territorial chinês, que Pequim considera uma extensão das suas águas territoriais. Em resposta à ação americana, a China vem melhorando sua capacidade naval, chegando já a um ponto suficiente para desafiar o domínio dos EUA nas águas do Pacífico Norte. Em julho de 2013, Pequim criou uma Agência para a Guarda Costeira, congregando 16.000 quadros de antigos serviços, os quais passaram a operar nas águas do Mar do Sul da China.

Todo esse amplo quadro bilateral foi passado em revista a 27 de janeiro de 2016, numa visita a Pequim do Secretário de Estado John Kerry, para a reunião da Comissão Econômica e Estratégica sino-americana. O Presidente Xi Jinping aproveitou a oportunidade para repisar sua conhecida exortação a “um novo tipo de relações entre grandes potências”, de modo a que saiam todas ganhando.

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