Em Destaques, Vida Nacional

Por Luiz Carlos Bresser Pereira

Em meio a uma crise profunda, nós brasileiros nos sentimos muito mal. Mas com a saída do Reino Unido da União Europeia, o mundo rico, liberal e global está se sentindo igualmente muito mal, derrotado como nós nos sentimos derrotados.

A saída dos britânicos da União Europeia é um fenômeno político com a mesma origem do grande crescimento dos partidos e candidatos de extrema-direita na Europa e nos Estados Unidos. Ele se deve ao apoio crescente que os trabalhadores e os pobres vêm dando a esses partidos.

Dessa maneira, esses setores manifestam seus protestos contra um sistema político no qual a ideia de nação e a solidariedade que a acompanha foram abandonadas. Contestam um liberalismo econômico radical que ignora os interesses das pessoas e seus direitos.

O capitalismo chegou ao apogeu com o desenvolvimentismo social-democrático do pós-guerra, mas nos anos 1970 uma crise de gravidade média foi suficiente para que esse período cedesse lugar aos anos neoliberais, nos quais só interessam a competição universal e os lucros e dividendos dos vitoriosos – dirigentes e acionistas-rentistas das grandes empresas globais.

A virada de um desenvolvimentismo social para um liberalismo radical é geralmente situada em 1979-1980, mas há um outro momento que provavelmente é mais paradigmático. Refiro-me ao ano de 1992, quando o Tratado Norte-americano de Livre Comércio (Nafta) aceitou a adesão do México.

Não me lembro de ter visto, antes, uma manifestação dos trabalhadores americanos tão forte e clara contra uma política pública como a que houve então. Eles sabiam que a entrada do México implicaria a transferência das fábricas para esse país e significaria o desemprego e a queda dos salários.

Por que isso aconteceu nos Estados Unidos em 1992 e não, por exemplo, 50 anos antes? Essencialmente porque 50 anos antes a nação americana era forte; ainda que trabalhadores e capitalistas conflitassem, eles estavam também associados, pois os salários dos trabalhadores e os lucros dos capitalistas-empresários dependiam de um mercado interno que era a maior riqueza das duas classes sociais.

Em 1992, isso deixara de ser verdade. Desde então, e mais ainda hoje, os dividendos dos rentistas das empresas multinacionais e os altos salários de seus dirigentes originam-se mais do exterior, do mercado global, do que dos mercados internos.

Dessa maneira, a ideia de nação foi profundamente enfraquecida nos países ricos. Foi suficiente para que se continuasse a defender um liberalismo econômico radical, não obstante a concorrência crescente dos países em desenvolvimento tirasse empregos de seus trabalhadores.

Seus economistas supunham que, na concorrência, os mais ricos sempre ganhariam, mas quem mais ganhou com a globalização e o neoliberalismo foram a China, a Índia e outros países asiáticos que conservaram a ideia de nação, aproveitaram a mão de obra barata e alcançaram taxas extraordinárias de crescimento e melhoria de vida.

A força do capitalismo esteve sempre baseada em um pacto nacional, em uma relação entre nacionalismo desenvolvimentista e liberalismo econômico. Isso foi esquecido pelas elites globais, e o resultado, no plano econômico, são crises financeiras, aumento da desigualdade e baixo crescimento; no plano político, a indignação do povo. 

FSP:30/06/2016.

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Luiz Carlos Bresser-Pereira. Economista.

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