Em Destaques, Vida Nacional

Por Amir Khair

 A questão de poucos dias atrás havia a avaliação de que o fundo do poço da recessão tinha terminado e que já no segundo trimestre isso ficaria demonstrado. Infelizmente um balde de água fria pôs por terra essas avaliações com as informações do Banco Central (BC) recém divulgadas sobre a evolução da atividade econômica.

Os dados do varejo também confirmaram a continuação da queda da atividade econômica da mesma forma que a frustração da arrecadação pública. Face a isso, novas previsões no mercado apontam para a recuperação a partir do segundo semestre. Será? Não creio. A teoria das expectativas favoráveis com a provável saída da presidente afastada parece não conduzir a boas perspectivas com o atual governo interino.

De qualquer forma o mercado ainda aposta no sucesso da equipe econômica considerada de alto nível como selo de qualidade às ações deste governo e ao longo de agosto as análises políticas correntes apontam para a consolidação política do governo Temer logo após a decisão final no Senado com a aprovação do impeachment de Dilma Rousseff. A partir daí poderiam ser anunciadas novas medidas que no momento poderiam pôr em risco o suporte político do atual comando.

Essas medidas a serem anunciadas poderão envolver redução/eliminação de direitos sociais conquistados, bem como novos tributos a serem lançados para compensar a perda crescente de arrecadação. Supondo que se realizem essas medidas, o que se pode esperar para os próximos dois anos até as novas eleições presidenciais e de governadores de 2018?

Crescimento. Em termos de crescimento econômico muito pouco a esperar. Para haver crescimento há que ter aumento do consumo das famílias, responsáveis pela maior parte do Produto Interno Bruto (PIB). O alto nível de desemprego tende a permanecer e até crescer, segundo avaliações correntes.

Os rendimentos do trabalho tendem a perder poder aquisitivo pelo processo inflacionário não reposto nos reajustes salariais. O alto nível de endividamento está comprometendo quase metade do orçamento das famílias. Tudo conjugado: desemprego em alta, salários em baixa e elevado endividamento constituem a principal barreira ao crescimento do consumo das famílias.

O segundo componente da atividade econômica é o denominado consumo do governo, que é o gasto do governo em seus três níveis: União, Estados e municípios. Além do limite imposto às despesas pela perda de arrecadação vem se somar o impacto desfavorável do congelamento de despesas, a principal proposta da equipe econômica.

Há que considerar que a pretensa economia de despesas afetará principalmente as camadas da população que mais dependem do Estado. Menos recursos destinados a essas camadas, além de agravar a tensão social, impactam desfavoravelmente o consumo destas camadas. Assim, este componente do PIB poderá contribuir negativamente para a atividade econômica.

O terceiro componente, o investimento, depende em cerca de 80% a 90% das empresas e estas, além de se encontrarem endividadas, amargam perda de receitas, elevada capacidade ociosa, custos financeiros em ascensão, que constituem poderosa barreira ao investimento.

Quanto à parte menor de 10% a 20% de investimento público, pouco a esperar, pois o congelamento de despesas é golpe mortal no investimento, que será a parcela a ser sacrificada diante da rigidez das despesas correntes como salários, aposentadorias, pensões e despesas de funcionamento da máquina pública. Assim, o mais provável é aguardar contribuição negativa deste terceiro componente do PIB.

 O quarto e último componente do PIB é o fator externo dado pela diferença entre as evoluções da exportação e da importação. Com a desvalorização cambial que chegou a superar R$ 4 por dólar, as empresas passaram a retomar e ampliar suas exportações ao mesmo tempo em que caíram fortemente as importações, contribuindo o fator externo para reduzir o tombo verificado no PIB pelos outros componentes.

Com a revalorização do real ocorrida nos últimos meses com a mudança de expectativas dos agentes econômicos, o câmbio próximo a R$ 3 começou a desestimular setores empresariais que estavam retomando exportações, o que pode comprometer o fator externo encerrando precocemente sua contribuição ao PIB.

Fiscal. O que esperar do front fiscal? Creio que menos ainda do que com a frustração do crescimento. A ênfase na redução das despesas como tônica da nova equipe econômica tem implicações profundas na arrecadação. Há verso e reverso de impacto fiscal com a redução de despesas.

As reduções visando benefícios sociais como salários, aposentadorias e pensões, programas de renda e recursos para as áreas sociais, que beneficiam camadas da população das classes C, D e E, que dependem de serviços e recursos do Estado, têm como contrapartida menor consumo das famílias e consequentemente menor venda no comércio, na produção e no final da linha na arrecadação pública ligada ao faturamento e lucro das empresas e nas contribuições à previdência social.

Vale lembrar que em 2015 o déficit fiscal atingiu R$ 613 bilhões (10,34% do PIB), dos quais R$ 502 bilhões (8,46% do PIB) foram despesas com juros e R$ 111 bilhões (1,88% do PIB) foram de déficit primário. Assim, o s juros responderam por 82% do déficit do setor público e o déficit primário por 18%.

No âmbito deste déficit primário de 18%, a perda de arrecadação foi de 13% e o aumento de despesas de 5%. Assim, em resumo, o déficit público em 2015 foi explicado em 82% pelos juros, 13% pela perda de arrecadação e apenas 5% pela elevação de despesas. Neste ano, composição semelhante poderá ocorrer.

Para 2017 e 2018 pouco a esperar da recuperação da arrecadação. Vale apontar que, para crescimentos econômicos inferiores a 2% ao ano, a inadimplência ainda se mantém elevada, dificultando crescimento real (descontada a inflação) da arrecadação. Essa é a perspectiva fiscal do resultado primário, ou seja, nulo ou negativo.

Quanto ao maior componente do déficit que são os juros, vai depender da visão predominante do BC quanto ao comportamento da Selic. Creio que, se predominar a tese de que os juros só vão cair se a inflação permitir, o que sempre ocorreu na história do BC, pouco a esperar na questão fiscal.

O fato é que todas as análises divulgadas de previsão de evolução da relação dívida bruta/PIB apontam para crescimento até pelo menos 2020. Índices crescentes afetam o componente juros a menos que a redução mais forte da Selic possa ajudar. Como nunca a Selic ficou abaixo de 7,25% e, como a dívida bruta caminha para 70% do PIB neste ano, a despesa mínima com juros seria de 5% do PIB (7,25% de 70%). Assim, continuaria crescendo a relação dívida/PIB, mesmo com déficit primário zero e taxa Selic no seu mínimo histórico.

Em conclusão, até 2018 as nuvens continuarão carregadas e o cenário das eleições pode levar aos governos federal e estaduais opositores aos ocupantes do poder. E tudo isso sem considerar a continuidade da devastação política causada pela operação Lava Jato. A conferir.

OESP: 17/07/2016.

______________

Amir Khair. Mestre em Finanças Públicas pela FGV e Consultor.

Facebooktwitter