Em Conjuntura Internacional, Destaques

Por Serge Halimi

Já no primeiro discurso como presidente, Donald Trump rompeu com seus antecessores. Prometendo, com um tom arrogante e o punho cerrado, que America First (“A América primeiro”) resumiria a “nova visão que governará o país”, ele anunciou que o sistema internacional criado há mais de setenta anos pelos Estados Unidos não tinha outro propósito a não ser servir a esse país. Ou seu destino seria perecer. Tamanha franqueza perturbou a tranquilidade das outras nações, especialmente as europeias, que fingiam acreditar na existência de uma “comunidade atlântica” democrática, regida por acordos mutuamente benéficos. Com Trump, as máscaras caíram. Em um jogo que ele considera de soma zero, os Estados Unidos pretendem “ganhar como nunca”, seja em termos de participação no mercado, de diplomacia ou de meio ambiente. Pior para os vencidos do resto do planeta.

E adeus acordos multilaterais, sobretudo comerciais. Moldado por suas memórias escolares dos anos 1950, o novo ocupante da Casa Branca repete há décadas a fábula de que a América sempre se comportou como um bom samaritano. E teria, desde 1945, “enriquecido outros países”. Países que, pouco a pouco, foram “fabricando nossos produtos, roubando nossas empresas e destruindo nossos empregos”.1 Seguramente, grandes fortunas locais sobreviveram à “carnificina” que ele descreve, inclusive a sua própria, além das de alguns membros de seu gabinete. Mas essas sutilezas pesam pouco diante da inversão ideológica que se desenha: apoiado, nesse ponto, pelos sindicatos do país, o presidente dos Estados Unidos aposta que o protecionismo “trará grande prosperidade e grande força”, no momento preciso em que, no Fórum Econômico de Davos, o líder do Partido Comunista chinês propõe substituir os Estados Unidos como motor da globalização capitalista…2

O que diz a Europa? Já ameaçada antes da mudança em Washington, ela vê a banda passar e aguenta, desamparada, o chega pra lá de seu padrinho. Trump, que suspeita (corretamente) que a União Europeia esteja dominada pelas escolhas econômicas da Alemanha, ficou muito satisfeito que o Reino Unido tenha decidido sair do bloco e despreza as obsessões anti-Rússia de poloneses e bálticos. Por fim, os líderes europeus, que há anos desistiram de qualquer ambição contrária à vontade de seu suserano, agora correm o risco de encontrar as portas fechadas na embaixada dos Estados Unidos, à qual tantas vezes se dirigiram para lembrar sua lealdade.3 Nada garante que o unilateralismo de Trump vá finalmente obrigá-los a largar a mamadeira do atlantismo e virar a página do livre-comércio para começar a andar com as próprias pernas. Mas o ano eleitoral, na França e na Alemanha, mereceria ter essa questão como prioritária.

 1          Há trinta anos, em 2 de setembro de 1987, Donald Trump comprou uma página de publicidade em três grandes jornais norte-americanos da Costa Leste para publicar uma carta intitulada: “Por que a América deveria parar de pagar para defender países que são capazes de se defender sozinhos”.

2          “China says it is willing to take the lead” [China diz que está disposta a assumir a liderança], The Wall Street Journal Europe, 24 jan. 2017.

3          Como mostraram os milhares de telegramas diplomáticos revelados pelo WikiLeaks em dezembro de 2010.

Le Monde Diplomatique/Brasil [http://diplomatique.org.br]: 13/03/2017.

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Serge Halimi. Jornalista. É diretor do Le Monde Diplomatique.

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