Em Destaques, Economia

Por Paulo Gala

O Brasil de hoje é um país de complexidade econômica bem menor do que era nos anos 90 segundo o Atlas da complexidade econômica criado por R. Hausmann e C. Hildalgo, numa parceria entre o Media Lab do MIT e a Kennedy School de Harvard (http://atlas.media.mit.edu/). A metodologia criada para a construção dos índices de complexidade econômica culminou num atlas que reúne extenso material sobre uma infinidade de produtos e países ao longo das últimas décadas (772 produtos e 144 países em 2012). Como medir a “complexidade econômica” de um país? Hausmann, Hildalgo et al criaram um método de extraordinária simplicidade e comparabilidade entre países. A partir da análise da pauta exportadora de um determinado país são capazes de medir de forma indireta a sofisticação tecnológica de seu tecido produtivo.

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Os dois conceitos básicos para se medir se um país é complexo economicamente são a ubiquidade e diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Se uma determinada economia é capaz de produzir bens não ubíquos, raros e complexos, há indicação de que tem um sofisticado tecido produtivo. Claro que há um problema aqui de escassez relativa, especialmente de produtos naturais como diamantes e urânio, por exemplo. Os bens não ubíquos devem ser divididos entre aqueles que têm alto conteúdo tecnológico e, portanto, são de difícil produção (aviões) e aqueles que são altamente escassos na natureza, por exemplo, o nióbio, e, portanto, tem uma não ubiquidade natural. Para controlar esse problema de recursos naturais escassos na medição de complexidade os autores usam uma técnica engenhosa: comparam a ubiquidade do produto feito num determinado país com a diversidade de produtos que esse país é capaz de exportar. Por exemplo: Botsuana e Serra Leoa produzem e exportam algo raro e, portanto, não ubíquo, diamantes brutos. Por outro lado têm uma pauta exportadora extremamente limitada e não diversificada. Temos aqui então casos de não ubiquidade sem complexidade.

A preocupante regressão tecnológica da economia  brasileira

A preocupante regressão tecnológica da economia  brasileira

No extremo oposto poderíamos citar equipamentos médicos de processamento de imagem, algo que praticamente só Japão, Alemanha e Estados Unidos conseguem fabricar, certamente um produto não ubíquo. Só que nesse caso a pauta exportadora de Japão, EUA e Alemanha são extremamente diversificadas, indicando que esses países são altamente capazes de fazer várias coisas. Ou seja, não ubiquidade com diversidade significa “complexidade econômica”. Por outro lado, um país que tenha uma pauta muito diversificada, mas com bens ubíquos (peixes, tecidos, carnes, minérios, etc…) não apresenta grande complexidade econômica; ele faz o que todos fazem. Diversidade sem não ubiquidade significa falta de complexidade econômica. O truque dos autores nessas medidas de complexidade é usar a diversidade para controlar a ubiquidade e vice versa.

Nessa linha de raciocínio os autores seguem classificando diversos países e chegam a correlações impressionantes entre níveis de renda per capita e complexidade econômica; esse indicador pode ser tomado como uma proxy do desenvolvimento econômico relativo entre países. Não à toa Japão, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e Suécia estão sempre entres os 10 primeiros países no ranking dos últimos 10 anos. Não é difícil perceber que o desenvolvimento econômico pode ser tratado como o domínio de técnicas de produção mais sofisticadas que em geral levam a produção de maior valor adicionado por trabalhador. É isso que o indicador de complexidade econômica acaba capturando de forma bastante engenhosa a partir de medidas de ubiquidade e diversidade da pauta exportadora dos diversos países.

E o Brasil como fica nessa história? Em 1995 nosso índice estava em 0,67693, posição 29 de um ranking com 125 países. Em 2012 despencamos para 56º num ranking de 144 países com índice próximo de 0 (gráfico abaixo). Uma rápida inspeção em nossa pauta exportadora nesses dois anos ajuda a entender intuitivamente o que aconteceu. Em 1995 nosso principal produto de exportação era minério de ferro com 5,25% da pauta e logo em seguida café com 4,96% (bens ubíquos) e as principais categorias de exportação se dividiam em maquinaria (15,07%), mineração (9,97%) e óleos e vegetais (8,51%). Em 2012 o ferro passou a representar 13,08% da pauta, soja 8,19% e petróleo 8,99% (de novo bens ubíquos). As principais categorias foram mineração (19,11%), óleos e vegetais (13,83%) e maquinaria (12,96%). Numa análise mais detalhada de bens e categorias, há uma clara mudança no sentido de redução de complexidade da pauta exportadora brasileira, que significa forte evidência de retrocesso da complexidade tecnológica do tecido produtivo brasileiro. No jargão do atlas, passamos a produzir mais bens que muitos países produzem (ubíquos); países esses que por sua vez produzem muitos bens também ubíquos. Em outros termos nos tornamos um país mais comum, com pauta exportadora de baixa complexidade.

Esses resultados mostram algo já amplamente discutido no Brasil com diversos outros nomes: desindustrialização, doença holandesa e reprimarização da pauta exportadora. A enorme perda de espaço da indústria brasileira no PIB nos últimos 20 anos significa algo muito simples da perspectiva do atlas: regressão de nossa complexidade econômica. Claro que a metodologia usada está sujeita a diversas críticas, mas de modo geral, se essa complexidade for mesmo uma indicação de desenvolvimento econômico, corrente e futuro, estamos em maus lençóis; perdendo de longe a corrida tecnológica mundial. No fundo, o atlas da complexidade econômica quantifica de maneira extremamente engenhosa algo que Antônio Serra já tinha notado na sua comparação entre a riqueza relativa de Veneza e a pobreza de Nápoles em 1600, para não mencionar o que Adam Smith escreveu sobre o assunto, obviamente. 

*http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—dgreports/—inst/documents/publication/wcms_315665.pdf 

**http://arxiv.org/pdf/0708.2090.pdf

Do blog do autor: 21/12/2015. [http://bit.ly/1PmmfcA]

Paulo Gala. Economista. É professor da FGV/SP.


Imagem: Alessia Pierdomenico/Bloomberg

 

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