Em Ciência e Educação, Destaques

Por Eduardo Graça

Universidade pública, bancada pelo governo, nos Estados Unidos. Item exótico para a maior economia do planeta. A novidade foi apresentada pelo presidente Barack Obama em uma de suas viagens pela América Profunda afim de defender as iniciativas econômicas da Casa Branca para a recuperação da saúde financeira do país. O raciocínio do presidente é simples: o desemprego entre cidadãos com ensino superior na virada do ano, nos EUA, foi de 2,9%, contra 5,3% dos que pararam de estudar no último ano do curso secundário. A grita, nos dois lados do espectro político, à proposta de subvenção de dois anos de ‘escolas superiores comunitárias’ dá a medida do tamanho do problema em uma sociedade orgulhosa de ter criado ilhas de qualidade acadêmica como Harvard, Yale, Stanford e Berkeley, mas assustada com as dívidas dos recém-graduados e em busca de modelos para combater a desigualdade social no sistema educacional mais caro do planeta.

Em Knoxville, no Tennesse, Obama fez uma defesa enfática das chamadas community college. Ele escolheu o estado pois o Tennesse criou um modelo de sucesso de financiamento, realizado por meio da loteria estadual, fórmula que será ampliada por Washington. Atualmente, as faculdades comunitárias são, em geral, sustentadas com um pagamento extra de impostos de cidadãos residentes nas áreas próximas dos campi. “Vocês querem se graduar em uma universidade para entrar em contato com novas ideias, expandir a visão de mundo e descobrir de fato uma vocação, e isso é ótimo”, afirmou Obama. “Mas vocês também sabem que o diploma universitário é, mais do que nunca, o ingresso mais confiável que há para a classe média. É a chave para conseguir um bom emprego que paga um bom salário”, afirmou Obama, acrescentando que esta é a fórmula para os EUA aumentarem seu “poder de competitividade na economia globalizada”.

Ao contrário de outras iniciativas, como as da área de imigração, a política educacional não se resolve, nos EUA, com canetadas presidenciais. A proposta de financiamento público precisa ser aprovada pelo Congresso, controlado, na Câmara e no Senado, pela oposição conservadora. O Partido Republicano reagiu com cautela. O deputado John Boehner, cujo cargo é o equivalente ao de presidente da Câmara no Brasil, usou seu porta-voz para mandar um recado para a administração democrata: “sem detalhes, sem informar de onde sairá o dinheiro, isto parece mais uma diatribe populista do que um plano educacional sério”. Setores progressistas também criticaram o que viram como proposta simplista da Casa Branca de aumentar a inclusão social por meio de “um programa nacional de aumento exponencial de crédito educativo” sem oferecer cotas sociais, com o benefício centrado exclusivamente no desempenho do aluno.

Alheio às críticas, Obama anunciou que o programa será abordado na terça-feira 20, no discurso do Estado da União, espécie de prestação anual de contas e planejamento futuro com a nação, um dos atos simbólicos mais resistentes da democracia americana. Enquanto no Brasil se discute a viabilidade do modelo público de ensino superior (nos EUA, o foco do poder público é no ensino de base, com escolas públicas de qualidade no primário e secundário), a administração democrata anunciou que pedirá ao Congresso a aprovação no próximo orçamento de 60 bilhões de dólares, a serem expandidos em um período de dez anos, para o financiamento total de estudantes cujo desempenho escolar seja no mínimo C negativo (algo como uma nota 7) em todas as disciplinas. O valor será complementado por fundos locais e caberá aos estados gerir o fundo educacional. Se aprovado pelo Congresso, virará o sistema educacional americano de pernas para o ar. De acordo com dados oficiais, em média o estudante americano saiu das universidades em 2014 devendo 33 mil dólares (ou cerca de 88 mil reais) para quatro anos de faculdade, mais do que o dobro do valor em 1994, mesmo com o ajuste da inflação. O número total de dívida relacionada a custos com a educação superior nos EUA já ultrapassa 1 trilhão de dólares.

“Nós não temos a ilusão de que iremos transformar o sistema educacional americano da noite para o dia. Mas estamos sim confiantes de que esta discussão precisa começar agora”, afirmou a principal articuladora de projetos educacionais da administração democrata, a especialista em estudos latino-americanos Cecília Muñoz.

Não é uma coincidência Muñoz ser uma celebrada militante pelos direitos civis dos hispânicos. As minorias étnicas são as que mais buscam os créditos educativos já oferecidos pelo governo, para famílias cuja renda anual é igual ou inferior a 20 mil dólares (cerca de 54 mil reais). O novo plano educacional estima que até 9 milhões de estudantes possam se beneficiar da iniciativa em todos os EUA, com o governo federal bancando três quartos das mensalidades, com um quarto por conta dos estados.

Os republicanos, interessados em mais cortes orçamentários, argumentam que programas estaduais como o de Tennesse são a melhor maneira de se oferecer educação subsidiada e que o governo federal deveria mudar seu foco. Mas em editorial publicado na edição desta sexta-feira, o jornal The New York Times lembrou que os custos com a vida estudantil não se esgotam na matrícula, com despesas altas de moradia, transporte e gastos com material de ensino. E até o conservador Wall Street Journal trouxe artigo assinado pelo professor Craig Richardson, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, mostrando que nas últimas três décadas o preço dos livros usados em um curso típico de primeiro período de Economia passou de 20 dólares para 250 dólares cada um. Para comprar cada livro, mostrou Richardson, o estudante teria de trabalhar, se recebesse um salário mínimo, cerca de 35 horas. Há trinta anos, eram necessárias apenas seis horas de trabalho. E os livros e as aulas, quem afirma é o próprio catedrático, não ficaram tão melhores assim de lá para cá. Ou, como prefere o editorial do Times: “O tamanho da resposta dos que criticam a proposta do presidente Obama parece ser similar às do que se bateram contra a ideia de educação pública e universal para todos os cidadãos no século XIX. O esforço daqueles educadores, nos EUA, foram cruciais para a transformação de uma sociedade agrária em um mundo cujo conhecimento básico de escrita, leitura e compreensão seriam fundamentais. A expansão do ensino superior agora proposta pode ter resultado similar para o país rumo à era da informação”.

Publicado em Carta Capital (18/01/2014).

Eduardo Graça. Jornalista


Créditos de imagem: commdiginews.com

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