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Sérgio Nepomuceno insiste ao telefone. É uma enquete importante e será, talvez, útil. Eu havia tentado me esquivar. Como posso saber quais as dez sinfonias de que mais gosto? E esse é o mais simples dos quesitos. Mas, vá lá, começo a pensar. Uso o método Polya, o matemático que insistia em ensinar-nos a resolver problemas. Se você não encontra uma fenda onde enfiar sua cunha, então mude ligeiramente o enunciado do problema. Gostar é uma ato, ou talvez um estado muito complexo. É preciso encontrar outro verbo, talvez. Eu sei que gosto mais das Sinfonias de Brahms na interpretação de Barbirolli do que naquela de Bernstein. Eu sei também que gosto mais das Sinfonias de Brahms do que das de Tchaikovsky. Pelo menos quando estou sóbrio. Após quatro ou cinco doses de vodca, já não sei mais nada. Mas qual a Sinfonia de Brahms que gosto mais? Honestamente não sei. E a coisa fica muito mais complicada se envolvermos outros compositores, de épocas e estilos distintos.

Eu teria câimbra nos neurônios se tivesse que responder seriamente a essa pergunta. Mas há uma maneira econométrica de resolver o problema. Ao estilo extravagante de Polya, é verdade. Como sou maníaco possuo uma extensa variedade de interpretações de algumas obras, presumivelmente daquelas que mais admiro. Uma avaliação preliminar permitirá concluir que, em bloco, são as Sinfonias de Beethoven as que mais aprecio, pois é esse o conjunto que mantenho uma atitude especulativa maior.

Assim, se admitirmos como indício legítimo econométrico o número de discos adquiridos, eu poderia dizer que coloco o conjunto das Sinfonias de Beethoven acima de qualquer outro similar. E dentre essas, em um nível de subjetividade muito maior, eu hierarquizaria essas obras de maneira a colocar a Nona, a Terceira e a Sétima na parte superior da escala. E diria, mesmo, que essas provavelmente estariam entre as dez que escolheria como aquelas que me são muito caras.

Mas esse método de avaliação tem suas dificuldades. Se tenho vinte gravações distintas da Terceira, ou da Quinta de Beethoven, é porque elas existem ou existiram em catálogo um dia. Por outro lado, apesar de ser enfeitiçado pela Sinfonia nº 38, a de Praga, de Mozart, tenho apenas cinco versões, pois não há vinte gravações dela em toda a história do disco. Portanto, o método de medida deveria ser, de uma forma qualquer, corrigido pela disponibilidade de interpretações diversas. Mesmo assim posso identificar como dentre as minhas preferidas, as Sinfonias nºs 38, 40 e 41 de Mozart, apesar de admirar a perfeição da 39. Entretanto, eu não incluiria dentre as dez maiores de toda a História senão a 40.

Com Schubert sou obrigado a transgredir o método e optar pela Grande em Dó Maior nº 9 (ou 7) em detrimento dessa maravilhosa Oitava, a Inacabada. Com Haydn a coisa se complica. Comparadas com as Sinfonias de Beethoven aqui mencionadas e com as últimas quatro de Mozart, as últimas de Haydn talvez não se sustentassem. Mas há qualquer coisa de único nas sinfonias ditas do Sturm und Drang de Haydn que exige uma sua representação. Um pouco arbitrariamente, escolho aquela em Mi Menor, Fúnebre, nº 44.

Bem, pensemos agora nas Sinfonias de Brahms. Quem poderia escolher, entre as quatro, uma? Recorro, pois ao mesmo método. Escuto e disponho de um maior número de gravações da Segunda. E aceito essa evidência, embora um pouco a contragosto, de que é dessa uma que mais gosto. E depois passamos para Mahler, pulando Bruckner, é verdade. Mais uma vez a evidência contábil me libera de um esforço intelectual e de uma transgressão estética insuportável. É a Segunda a sinfonia da qual disponho maior número de gravações e também a mais popular, a julgar pela incidência em catálogos.

Chegamos agora a um ponto de grande dificuldade. Deixo ou não de incluir as solitárias Sinfonias de Berlioz e Franck? Mas apesar do singular encanto um pouco mórbido no caso da Ré Menor e muito exibicionista no caso da Fantástica, acabo rejeitando-as, talvez mais por uma questão de recato do que de espaço. E contra todos os preconceitos, meus inclusive, incluo aqui A Sagração da Primavera de Stravisnky que, apesar de Maurice Béjard, continuo ouvindo de olhos fechados, como se fora concebida como uma verdadeira sinfonia. Aliás, já que é um momento de ousadia, considero a Sétima de Beethoven mais dança do que A Sagração.

E depois quem mais? Shostakovitch? Prokofiev? Ives? Talvez se pudéssemos sintetizar em uma só tudo que há de bom nas Quinze Sinfonias de Shostakovitch, então tudo bem. Mas para ocupar a última posição, minha escolha recai sobre a Quinta de Prokofiev. Mas é bom lembrar que essas escolhas foram feitas em um sábado ao final da manhã, já com dois ou três martinis sequíssimos, ao Beefeater, obviamente. Não tenho a mínima ideia do que sairia à meia-noite, após um generoso Borgonha. E muito menos qual seria minha escolha em uma sóbria madrugada de inverno. Que fique bem entendido.

Nota – Do livro do autor Um Roteiro para Música Clássica. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1992. 705p.

Wolfgang Amadeus Mozart

Symphony No. 38 in D, K. 504 (Prague) Academy of St Martin in the Fields orchestra conducted by Sir. Neville Marriner

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Créditos de imagem: cultural.colband.net.br

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