Há um estranho amálgama de críticos que, de ângulos distintos, proclamam que a distinção entre esquerda e direita ou já não existe mais, ou nunca existiu, ou, na pior das hipóteses, está se exaurindo. É bom notar que estes analistas são sempre de direita. Pois bem, nós vamos aqui argumentar que a distinção entre esquerda e direita é de origem filogenética e, portanto, imperecível.

Todos nós vimos com espanto uma memorável cena na Internet. Uma matilha de cerca de meia dúzia de leões subjuga um filhote de búfalo. A mãe búfala procura defendê-lo inicialmente. Sentindo-se, porém, impotente, parte a mãe, voltando em seguida acompanhada de toda a manada, que derrota a  matilha de leões. A ação coerente e cautelosa dos búfalos demonstra que sabem que correm perigo de vida. Ou seja, arriscam cada um todo seu patrimônio genético individual pela salvação de um individuo do grupo, com o qual, na melhor das hipóteses, talvez compartilhem uma fração desse patrimônio.

Dificilmente se explica esse episodio com base na teoria do gene egoísta de Dawkins, que exigiria atuação em benefício da preservação do indivíduo com mesmo patrimônio genético. O episódio em questão se explica melhor com base na tradição da Etologia de Lorentz, que pretende que o impulso fundamental é pela preservação da espécie. A Natureza fornece, todavia, exemplos de impulsos tanto para preservação da espécie como para a preservação da descendência direta ou individual, abundantemente. É, pois, de se esperar que, embora submersos por enorme carga cultural, que o semicivilizado animal humano, também detenha esses instintos.

A valorização do indivíduo é uma característica daquilo que chamamos direita, enquanto a valorização da coletividade é um traço da esquerda. É, pois, natural associar comportamento de direita ao gene-egoísta de Dawkins e àqueles de esquerda aos impulsos de preservação da espécie, da escola de etologia. Aliás, é notável o controverso fato de que foi justamente a escola de antropologia cultural de Boas, Mead, Montagu, etc., de cunho socialista, que condenou acerbamente Lorentz e seus seguidores na década de sessenta, convencida de que a etologia justificava o fascismo.

Em realidade o que acontece com bem intencionados pensadores humanistas, principalmente os de esquerda, é que a aceitação de qualquer influência genética no comportamento do homem o libere de qualquer responsabilidade sobre seus próprios atos.

Pois bem, como consequência desse antagonismo entre inclinações comportamentais, determinadas ambas geneticamente se concebe que cada indivíduo divida os seus semelhantes em dois grupos, um próximo (família) e outro distante (sociedade). Chamamos de esquerda o grupo constituído por indivíduos em que predomina o impulso para a conservação da coletividade, da sociedade. Aqueles que apresentam dominância do impulso de preservação da própria herança genética, a família, seria de direita. A corporação seria uma extensão natural da família. A direita concebe a humanidade como dividida em duas partes, aqueles indivíduos que pertencem à corporação que constituiria uma família extensiva, um círculo interno, enquanto os demais pertencentes à sociedade, em geral, seriam o círculo externo. Ficam assim esclarecidas as diferenças essenciais entre esquerda e direita, assim como também fica justificada biologicamente essa dicotomia e sua inevitabilidade, como também se explica a aversão que tem a direita pela oposição clássica direita-esquerda. Por outro lado também a esquerda, ou melhor, uma certa esquerda, deverá ficar encabulada quando perceber que sindicatos e outras corporações de classe só podem ser percebidos como resultado da atuação do gene egoísta, ou seja, são organizações de direita. Também devem ser entendidas como tal as religiões cujos membros se veem como povo escolhido dos Deuses.

Pois bem, “se non é vero é ben trovato”.

 

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