Em Análises e Reflexões, Destaques

Por João Sicsú

Há um tempo, em 2013, início de 2014, se discutia que o Brasil não tinha planos econômicos de longo prazo, como teriam sido implementados na Índia e na China. O que podemos dizer agora sobre a política econômica brasileira?

De fato, a gente não tinha um projeto de desenvolvimento nesses últimos anos, o que não quer dizer que não avançamos, no sentido de melhorar a infraestrutura do país e a qualidade de vida das pessoas. Mas eram políticas conjunturais, programas específicos, isolados. Porém, que deram excelentes resultados.

A política econômica de hoje é uma política regressiva, de volta ao passado. Além de ser velha, vai produzir resultados que nós vamos retornar a situações que tínhamos há 10, 15 anos, ou até mais.

Estamos tendo políticas econômicas que não resolvem o desemprego. Milhares de famílias já voltam para o programa Bolsa Família. Temos dados bastante assustadores, 500 mil famílias que saíram do programa até 2011 retornaram só no ano de 2016.

Esta é a política econômica que nós temos hoje, uma política velha que produz antigos resultados. Vamos retornar ao passado que tínhamos.

O senhor comentou nas redes sobre a revalorização das ideia do Consenso de Washington turbinadas por planos das experiências recentes europeias. No caso do Brics, só pra usar como exemplo, os debates sobre o assunto na época, 2013/2014, falavam sobre a importância dele justamente como um contraponto ao Consenso de Washington. Como você enxerga a força deste movimento?

O Brasil tomou medidas no sentido correto a partir de 2003, que foi no sentido de fortalecimento dos Brics, e até de fazer um banco de financiamento para infraestrutura nesses países. Os Brics realmente tinham um sentido que levava os países para o desenvolvimento, em especial para construção de infraestrutura nesses países. E isto era extremamente positivo, tinha aspectos isolados importantes como no caso do Brasil, com um foco na política social muito forte, e também a ideia de construção física dos países, de infraestrutura.

O que isso tem de oposto é que o Consenso de Washington pressupõe que os países podem até investir na infraestrutura, mas isto dependeria da iniciativa privada. Porém, por exemplo, no caso brasileiro, esta tem peso nulo para construção da infraestrutura [que dependeria mais do setor público]. Vale para a China a mesma coisa.

A volta do Consenso de Washington, além de ser um retrocesso do ponto de vista de construção de infraestrutura dos países, traz consigo a extinção das políticas sociais, o que, no caso brasileiro, é muito significativo, com a Previdência Social, o SUS, o sistema federal de educação — tudo que vem sendo debilitado pelo menos profundamente. Isto é extremamente negativo. Os Brics têm um sentido, o Consenso de Washington tem outro, com resultados opostos também.

Você também comentou que uma nova recessão deve ser esperada para 2017, já que o governo Temer não teria um plano de recuperação da economia e de combate ao desemprego. PEC 55, China e Trump colocam novos impasses. O que podemos esperar para a economia do país nos próximos anos. Você vê algum horizonte capaz de gerar otimismo em relação à situação brasileira?

Não há nenhum sinal de recuperação da economia. O consumo das famílias está extremamente debilitado, o investimento público também, e o investimento privado depende de expectativas em relação à economia do país, que hoje são cadentes. Cada dia se espera menos da economia brasileira, o investimento privado está parado.

O canal das exportações poderia ser uma saída, mas ele é muito limitado, pois não depende do que acontece no Brasil. O Brasil não tem nenhum controle sobre o comportamento da China, ou sobre as medidas a serem adotadas pelos Estados Unidos, sobre a trajetória dos preços de commodities, Apostar no caminho da exportação em um país tão grande e com um mercado volumoso é apostar no nada. Podemos ter algum sinal positivo, mas não compensará o sinal negativo dos outros — no consumo das famílias, no investimento público e privado. O ano de 2017 deve ser de recessão, não de estagnação. Será uma repetição de 2016.

O desemprego não para de subir no país. Ao mesmo tempo, se articulam movimentos de “reforma” da legislação trabalhista. A proporção de pessoas em situação de pobreza deve aumentar, como apontou o estudo do Banco Mundial. A crise é projeto?

Não é um projeto. Se bem que já há muitos analistas que consideram a crise como algo positivo para ‘higienizar’ a economia, a sociedade, quando ‘incompetentes’ são tirados de cena.

O projeto não é de crise, é de reduzir os custos empresariais, os custos trabalhistas — o que no ponto de vista do trabalho é direito –, para aumentar a produtividade. Só que nenhum trabalhador aumenta produtividade quando está inseguro, vulnerável, do ponto de vista social.

Na verdade, o governo e os empresários olham para o trabalhador como um custo. A reforma trabalhista, da previdência, as desonerações, são todas no sentido de aumentar o volume de recursos para empresários, para que eles resolvam investir. Mas eles não vão investir apenas se o dinheiro está disponível, eles vão investir se houver perspectiva de crescimento, sem direito trabalhista ou não.

Em 2010, por exemplo, quando os direitos estavam mantidos, o investimento era alto, porque havia perspectiva de crescimento. O que mostra que, para haver investimento, precisa haver expectativa em relação ao futuro. Precisamos e não temos.

Se busca aumentar os lucros empresariais em cenário de estagnação e recessão prolongada, com retirada de diretos de trabalhadores, para que os trabalhadores custem cada vez menos para a produção.

Nota: entrevista conduzida pela jornalista Pamela Mascarenhas.

Jornal do Brasil [http://www.jb.com.br/]:19/02/2017.

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João Sicsú. Doutor em Economia. É professor no Instituto de Economia da UFRJ. Foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA (2007-2011).

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