Em Cotidiano, Destaques

Por Alexandre Marini

Bem lá atrás (século 19), Émile Durkheim demonstrou por A+B que aquilo que aparentava ser uma ação de foro íntimo, ou seja, apenas no campo do privado, era um fato social. Toca ele fazer levantamentos de registros e montar tabelas para entender os índices de então. Resultado: percebeu que a taxa de suicídio permanecia constante por longos períodos de tempo, tendo muito menos variação que outros fenômenos demográficos.

O que isso quer dizer?

Por mais que o suicídio seja de caráter individual, de natureza própria, é também eminentemente social. Poderiam passar anos ou décadas e a taxa de suicídio permaneceria a mesma, com pouca mudança. Mas encontraríamos diferenças se comparássemos países diferentes. Em outras palavras: Durkheim percebeu que havia povos que se matavam mais do que outros.

Também percebeu que era possível diferenciar grupos mais ou menos propensos a praticar o suicídio: casados se matavam menos que solteiros, protestantes mais que católicos, homens mais que mulheres, por exemplo. Uma clara indicação, portanto, que as sociedades como um todo e os círculos sociais de cada uma possuíam influência nesse tipo de morte. Seria como dizer que as sociedades têm em cada momento histórico, uma disposição definida para o suicídio.

Mas por que isso acontece? Aí entram dois fatores: integração social e solidariedade. Solidariedade no sentido de “como e por que meios” uma sociedade se mantém coesa (nada a ver com distribuir caridade e responder cartinhas de natal dos correios) e integração social é a medida em que você se sente membro pertencente a um grupo (família ou trabalho, por exemplo). Baixa solidariedade e pouca integração social são grandes influenciadores de suicídios. São nossos cordões umbilicais. Corta-se um, talvez se sobreviva com o outro. Cortam-se os dois, estamos à deriva.

Você pode estar pensando que se ouvimos pouco sobre isso é porque os índices são pequenos. Enganamo-nos. Na verdade, uma pessoa se mata a cada 40 segundos no mundo. Três mil por dia. Sendo numericamente mais claro: 804.000 suicídios no ano de 2012. Destes, 11.821 só no Brasil, o oitavo país com a maior quantidade de suicídios.

E, sim, homens se matam muito mais: 9.918 homens e 2.623 mulheres, tomando como exemplo nós, brasileiros (2012). O número de tentativas pode chegar até 20 vezes mais que o de mortes. Entre jovens de 15 a 29 anos, dar fim à própria vida está entre a segunda maior causa de morte global. Como se matam? Ingerindo pesticidas, enforcamento ou com armas de fogo.

Cerca de metade das mortes (não incluindo acidentes e causas naturais) no mundo são por suicídio, 35% por homicídio e 15% por conflitos armados. Aquele número lá em cima, 804.000 em 2012, representa metade das mortes intencionalmente provocadas naquele ano. Precisamos considerar que há mais gente tirando a própria vida do que a de outros e, mesmo com números tão expressivos, pouco ouvimos falar deles.

A imprensa hoje adota a postura de não publicar sobre essa realidade cotidiana, excetuando-se pessoas famosas. Com o intuito ou pretensão de não incentivar que outros façam o mesmo, acaba por esconder uma realidade que poderia ter um tratamento mais adequado caso fosse socialmente mais perceptível. Afinal, não são assim que as políticas públicas funcionam?

A causa do suicídio, grosseiramente falando, estaria, portanto, na ausência da sociedade na vida do indivíduo. Num coletivo de ações individuais, é algo que afeta fortemente a época e o mundo em que vivemos. E, diga-se de passagem, bem longe da beleza plástica dos efeitos especiais em meio às estrelas, como no filme de Cuarón. De semelhante, nossa ignorância sobre ao passar despercebido.

Acesse o texto integral no Observatório da Imprensa: http://bit.ly/1AAzphk

Alexandre Marini. Sociólogo.


Créditos de imagem: 3.bp.blogspot.com

 

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