Em Análises e Reflexões, Destaques

No Brasil fala-se muito mas faz-se pouco para preservar o legado da natureza. O Estado do Rio, por exemplo, já foi coberto por uma floresta exuberante, que ia até o interior de Minas Gerais, pela altura do povoado de Borda do Campo (atual cidade de Barbacena). Em algumas décadas de exploração desenfreada mudou-se profundamente o panorama da região, com a floresta cedendo lugar a uma vegetação raquítica e retorcida, semelhante à do cerrado. É verdade que as árvores derrubadas geraram riqueza, já que foi delas que veio a energia para alimentar por muitos anos as incipientes indústrias siderúrgicas fluminenses e mineiras. Mas foi uma riqueza que já acabou. E agora?

Numa conferência que fez em fevereiro de 1.959 na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, intitulada “O homem e seu planeta”, Aldous Huxley citou muito oportunamente o aforismo de Chateaubriand Les forêts précedent les peuples et les déserts les suivent.

Foi isto que aconteceu em algumas regiões brasileiras, depauperadas pelo desmatamento: as populações, à míngua de meios para subsistir, foram aos poucos migrando para as cidades e deixando para trás o deserto estéril.

Ainda naquela conferência, Huxley lembrou a devastação do Norte da África e depois na Ásia Menor, regiões que, séculos atrás, tinham sido cobertas por florestas.

Quem nunca ouviu falar das florestas de cedros do Líbano? Na construção do templo de Jerusalém, foram usadas vigas e pranchas de cedro, mediante um tratado celebrado pelo rei Hiram I, de Tiro, com o Rei Salomão, pelo qual troncos de cedro eram trazidos até a costa do Líbano e levados de balsa para os portos indicados por Salomão, para serem arrastadas até Jerusalém. Alguns desses troncos, aliás, seguiam para serem usados no Egito, onde há palmeiras, mas não árvores adequadas para a construção. Hoje os poucos exemplares de cedros do Líbano que sobraram são admirados como peças de museu nos dois ou três minguados parques florestais daquele país.

No Extremo Oriente, a exploração das florestas tem uma longa tradição. O scholar chinês Xu Guanggi (1.562 – 1.633), relata que, já durante a Dinastia Han e mais tarde, na Dinastia Ming, os recursos florestais eram manejados de forma racional pelos senhores das terras. No entanto, a produção sustentada de madeira pelo manejo sistemático das florestas só começou no Japão, por volta do século XVI.

No Ocidente, a silvicultura teve seus primórdios na Idade Média, ainda de forma rudimentar, quando as terras eram controladas pelos senhores feudais. Como atividade econômica planejada, a silvicultura teve suas bases científicas formuladas e desenvolvidas na Alemanha nos séculos dezoito e dezenove. Toda a tecnologia alemã do século dezoito baseava-se preponderantemente na madeira, a começar dos processos de mineração e refino de metais, que dependiam de troncos, para suporte das galerias, e de carvão vegetal, para a redução dos minérios e geração de calor. A madeira era o combustível universal, além de ser o único material de construção que se oferecia como alternativa à pedra e à alvenaria, nas casas e obras públicas. Era, também, um material muito adequado para a construção de navios.

Naquele país, até fins do século passado, a madeira era mais importante do que hoje são o aço, o carvão, o petróleo, etc. Não se podia, pois, permitir que as reservas florestais se esgotassem.

Por outro lado, os economistas alemães compreenderam que, para comprar o mesmo bem, era melhor gastar dois marcos no país do que um marco no exterior, isto é, a autossuficiência em todos os setores era vantajosa, mesmo a custos aparentemente elevados. Nesse contexto, teve início o desenvolvimento de uma economia florestal sistemática.

Já no começo do século dezenove existiam, na Alemanha, cursos regulares de silvicultura, nos quais destacavam-se grandes professores como Georg Ludwig Hartig, Heinrich Cotta e um discípulo deste, Bernard Fernow, que emigrou para os Estados Unidos, onde tornou-se conhecido como o “pai da silvicultura profissional norte americana”.

A prática da exploração florestal predatória foi um dos traços da cultura árabe, com reflexos em Portugal, Espanha e sul da Itália.

Entretanto, no início do século XX, estes países também começaram a reconstituir as reservas florestais de onde se retirava lenha e peças para a construção de casas e navios.

No Brasil, dentre os primeiros registros de estudos sobre a importância da madeira para a construção em geral podem ser citados os trabalhos de José Bonifácio de Andrada e Silva (“Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal” – Lisboa, Typ. da Academia de Ciências, 1.813); de Baltazar da Silva Lisboa (“Riquezas do Brasil em madeiras de construção e carpintaria” – Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1.823) e de Francisco Freire Alemão (“Breve notícia sobre a colleção de madeiras do Brasil” –  Rio de Janeiro, Typ. Nacional, 1.867).

Na prática, entretanto, só muito depois que as florestas começaram a ser exploradas de maneira predatória é que surgiu, em São Paulo, o nome de Navarro de Andrade, com o mérito de ter iniciado os reflorestamentos de grande escala, especificamente planejados para fornecer matéria prima florestal para as indústrias de celulose e para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Anos depois veio, no plano federal, Luís Simões Lopes, que, em 1937, concretizou os antigos planos e recomendações de botânicos, geólogos e geógrafos tais como Alberto Loefgren, José Hubmeyer e o Barão Homem de Mello, criando o Parque de Itatiaia, que foi o primeiro parque nacional do Brasil. Apesar do grande merecimento desses homens, seu esforço não foi bem compreendido e ficou quase isolado, não chegando a lançar no país as bases de uma verdadeira política de utilização racional dos recursos naturais renováveis, baseada em princípios conservacionistas e numa silvicultura desenvolvida de acordo com as condições brasileiras, seja no tocante à geologia, clima e botânica, seja no que diz respeito aos aspectos econômicos, fundiários e sociais.

Um passo importante para o estabelecimento de uma economia florestal-madeireira compatível com o potencial do Brasil foi dado em 1967, com a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, concretizando os trabalhos de um grupo interministerial do qual participei, na qualidade de coordenador e relator, por indicação do então ministro Roberto Campos.

A criação desse instituto foi um passo importante para a solução do conflito institucional que existia entre os conservacionistas, do Departamento de Recursos Naturais Renováveis do Ministério da Agricultura, e os madeireiros, apoiados pelo Instituto Nacional do Pinho. Mas foi insuficiente, como bem demonstra a progressiva devastação da Amazônia.


Imagem: Alberto Cesar/ Greenpeace/AP

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