Em Destaques, Vida Nacional

Como o senhor avalia a “reorganização” proposta pelo governo Geraldo Alckimin à rede estadual?

Vamos mexer com a vida de pais, alunos, professores e gestores em 754 escolas, alterando sua organização, e fechar outras 94 escolas, a partir de um estudo da Secretaria que não tem sustentação. Por um lado, é uma surpresa o tamanho do erro cometido, por outro, é compreensível, pois a política educacional paulista está baseada na arrogância de quem acha que já tem a solução dos problemas educacionais e não precisa discutir com os educadores e profissionais da educação e com a comunidade. Quem dita a política educacional do Estado é um grupo de empresários que a orienta segundo critérios econômicos e imediatistas, onde as escolas são vistas como pequenas empresas que podem ser fechadas a qualquer momento desde que não atinjam a “produtividade” esperada. Este mesmo grupo, conduz também a privatização do ensino médio com apoio de instituições privadas.

O senhor classificou como “simplório” estudo no qual a reorganização teria sido baseada. Quais fatores foram desconsiderados no estudo?

O estudo é um mero levantamento do número de escolas que tem ou não tem ciclo único e seu desempenho em índices educacionais do estado. Confunde-se correlação com causação. Isto é muito comum em estudo que são feitos para advogar por ideias pré-definidas e para as quais se precisa de algum manto científico para justificá-las. Note que o estudo era mencionado nas entrevistas, até pelo Governador, mas não era divulgado. Precisou um Jornal obtê-lo pela lei de acesso à informação. Isto em si, já é uma vergonha. Os autores entenderam que se as escolas tinham um índice mais alto quando havia um ciclo só na escola, então, havia uma relação de causa e efeito que poderia ser ampliada passando todas as escolas para escolas de um ciclo só. Com isso haveria uma melhora nos índices destas escolas. Isso, no entanto, não tem sustentação já que o fenômeno educativo é multivariado e não se explica por uma única variável, por exemplo, a existência ou não de um único ciclo. Só para exemplificar, um dos fatores mais relevantes na interpretação dos resultados acadêmicos é o nível socioeconômico das crianças e seus pais, os recursos acadêmicos que a família já detém, formação dos professores, entre outros. Além disso, há métodos de análise avançados que podem examinar o peso destes fatores. Nada disso foi levado em conta. É, de certa forma, surpreendente que isso tenha ocorrido, face ao desenvolvimento que este campo de estudo tem hoje. E se considerarmos que o Estado de São Paulo possui três grandes Universidades Estaduais que poderiam ter sido consultadas, isto fica mais incompreensível ainda.

Como o senhor vê a ação dos estudantes, movimentos sociais e comunidade de ocupar as escolas que passariam pela reorganização?

Penso que os estudantes estão dando uma demonstração de amor e carinho por suas escolas inédito. Nós costumamos dizer que os estudantes não gostam das escolas. Bem, eis aí um exemplo em que os estudantes se levantam para proteger suas escolas. Muito bonito este gesto para com um aparato público que guarda a memória da comunidade. Seus pais, muitas vezes, estudaram naquela escola. Sabe-se que a ligação da família com a escola é muito importante. O rompimento destes laços está sendo implementado por uma concepção economicista em que tais escolas viram apenas uma linha em uma planilha e com isso se perde toda a dimensão da sua história e da sua ligação com a comunidade. O que este movimento está dizendo é que a escola é da comunidade.

A reorganização pode afetar a implantação da educação em tempo integral?

O estado de São Paulo perde um momento ímpar para dar um salto educacional e, já que tem escolas sobrando, então implementar a educação pública de tempo integral. Aumentar o tempo de aprendizagem exigirá mais professores e mais escolas, e não menos. Note que, se não quer fazer isso de imediato, então, pelo menos, use este momento de folga para reduzir o número de alunos em sala. Esta sim é uma variável que tem um acúmulo muito grande de dados a seu favor. O impacto da redução do número de alunos em sala, especialmente em área de pobreza, tem efeitos sobre o desempenho dos estudantes. Não há bala de prata, mas é um poderoso elemento facilitador da atuação do professor em sala, no ato da aprendizagem.

Da entrevista concedida pelo prof. Luiz Carlos Freitas para Carta Educação.

Avaliação Educacional (Blog do Freitas): 23/11/2015. [http://bit.ly/1ShHrkx]

Luiz Carlos de Freitas. Doutor em Ciências e Prof. Titular da Faculdade de Educação da UNICAMP.


Imagem: “Roberto Leher e Luiz Carlos de Freitas”/Anped educação

Facebooktwitter