Em Conjuntura Internacional, Destaques

Por Amaury Porto de Oliveira

Nas colunas de 12 de março1 e 11 de maio de 20152, ocupei-me do acordo sobre o programa nuclear do Irã, acordo que vinha sendo discutido entre aquele país e o P5+1 (os cinco membros permanentes do CSNU mais a Alemanha). Após dezoito meses de conversações, impulsionadas por entendimentos secretos entre os EUA e o Irã, um texto preliminar havia sido assinado, a 2 de abril de 2015, em Lausanne (Suíça). Mais três meses de ajustamentos foram necessários para a aprovação do texto final, assinado em Viena a 14 de julho de 2015. Sete dias mais tarde foi esse texto ratificado por unanimidade pelo Conselho de Segurança da ONU (CSNU), paralelamente ao início dos processos de ratificação no interior dos países signatários. Tanto nos EUA quanto no Irã, haverá oposição doméstica ao acordo. Nos EUA, deputados e senadores terão 60 dias (contados a partir de 20/07/15) para revisar e votar o pacto, sabendo-se do forte descontentamento da ala republicana do Congresso para com o mesmo. Barack Obama prometeu exercer seu poder de veto se o Congresso rejeitar o assinado, e a Casa Branca vê com otimismo a manutenção do eventual veto, que exigiria a maioria qualificada de dois terços dos votos nas duas Casas para ser revogado.

São várias as abordagens possíveis para opinar sobre esse acordo, tanto pela importância e complexidade dos temas nele tratados, como pela multiplicidade das consequências econômicas e políticas que dele advirão. Porei em foco, hoje, as repercussões do acordo no âmbito doméstico e no posicionamento regional do Irã

O final das negociações em Viena coincidiu com a comemoração do Ramadã, o mês sagrado em que os mulçumanos jejuam durante o dia e festejam vivamente à noite. A emissora estatal de rádio e TV deu curso em Teerã, na noite de 14 de julho, além do noticiário do rompimento do jejum, a vibrante pronunciamento do Ministro das Relações Exteriores e grande negociador do acordo, Mohamed Javad Zarif, juntamente com as declarações que estava fazendo em Washington o Presidente americano. A alegria popular explodiu e dezenas de milhares de pessoas dançaram nas ruas até depois da meia-noite, comemorando o acordo como uma abertura para o renascimento econômico. O Irã vai poder intensificar suas exportações petrolíferas e verá, no curto prazo, o desbloqueio de mais de 100 bilhões de dólares em ativos no exterior. Dinheiro iraniano, que estará diretamente disponível para o reforço da economia. Com 80 milhões de habitantes, o mais populoso dos países do Golfo Pérsico, o Irã poderá funcionar como a locomotiva da região. Mal foi anunciada a assinatura do acordo, o mercado começou a reagir e o preço do petróleo caiu, num sinal de que os investidores confiam numa produção crescente do Irã. E não é só petróleo que o Irã tem a oferecer. Ele fabrica e até exporta veículos automotivos, por exemplo. E em função do programa nuclear, formou nas últimas décadas dezenas de milhares de engenheiros e técnicos em energia atômica.

País de história milenar, herdeiro de uma potência da Era pré-Cristã – o Império Persa, o Irã voltou com força ao tabuleiro político e econômico do Oriente Próximo, no pós-I Guerra Mundial, liberando-se do domínio otomano apadrinhado pela Inglaterra. Os ingleses acabaram por ceder aos EUA o controle do petróleo iraniano e do renascido regime imperial, mas a resistência doméstica ao Xá e às intromissões dos EUA levou o Irã à República Islâmica e a 36 anos de hostilidades entre os dois países. O acordo de Viena vai retirar o Irã da situação de Estado pária, à medida que se transmutem essas hostilidades em diálogos sobre o Estado Islâmico; o futuro do Afeganistão; o petróleo e a segurança no Golfo. Analistas como Salem Nasser, da Fundação Getúlio Vargas (cf. Valor Econômico, 17.07.15), preveem papel positivo para o Irã: “O que assistimos hoje é a uma inflexão da posição ocidental e não da posição iraniana (…) Sem as sanções, o Irã terá um enorme potencial de crescimento no circuito do comércio, petróleo, entrada e saída de moeda. O Irã é um grande mercado e uma espécie de grande hub.” O governo Obama deu crédito à afirmação de Teerã de que não pretende produzir armas atômicas e mudou sua postura, levado por considerações de pragmatismo e realismo político. Entabulou negociações, convicto de que aumentar as sanções ou recorrer à ação armada não era viável, apesar do descontentamento saudita e das vociferações de Benjamin Netanyahu.

Alguns dias depois da assinatura do acordo de Viena, marcando na TV o fim do Ramadã, o líder supremo do regime iraniano, aiatolá Ali Khamenei, frisou: “Não temos qualquer outro compromisso com os EUA. O Irã não modificará suas alianças na região, sejam ou não do agrado dos EUA ou de Israel.” Evolução dos últimos meses digna de registro foi a reaproximação com a Rússia. Nas semanas finais da negociação, era visível a atuação de um bloco de três (Irã, Rússia e China), em divergência com a outra metade dos negociadores. Moscou deu forte apoio à pretensão de Teerã de levantar o embargo a armamento convencional, imposto em 2010. Não o conseguiram de imediato, mas Pequim ajudando, obteve-se o compromisso de suspender o embargo após cinco a oito anos, com a possibilidade de compras autorizadas antes disso.

1 – Ver link: http://bit.ly/1P6MW88

2 – Ver link: http://bit.ly/1MSLXTN


Imagem: dw.com

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