Em Conjuntura Internacional, Destaques

O novo século está assistindo a grandes transformações no quadro do comércio internacional. Os EUA continuam como o maior importador mundial, mas vêm perdendo terreno. A China já é, por exemplo, o principal importador do petróleo do Oriente Próximo. A China, que no ano 2000 atendia a 3% do comércio global, atende hoje a 10% dessas trocas, havendo ultrapassado em 2013 os EUA: US$4,16 trilhões (soma de todas as exportações e importações chinesas) contra os US$3,9 trilhões das trocas americanas. Por trás do acelerado crescimento do comércio internacional da China esteve o cuidado dos governantes, antecipando-se à previsível escassez dos recursos planetários. A China passou a investir mundo afora na compra; na participação acionária; e na logística dos empreendimentos necessários ao afluxo contínuo dos insumos para o crescimento de sua economia.

Um dos grandes painéis que servem de fundo para essas transformações é o do jogo diplomático-comercial sino-americano na Ásia-Pacífico. Já contei em coluna anterior como Obama perdeu pontos diante de Xi Jinping, ao ver-se tolhido pelas rixas no Congresso americano de comparecer a duas importantes reuniões asiáticas, em outubro de 2013. A primeira, em Bali, foi a sessão anual da APEC, organização de que participa a China e que os EUA procuram substituir pela Parceria Trans-Pacífica (PTP), sem os chineses. Estes últimos brilharam em Bali, ao rescindir muitas das suas objeções ao comportamento americano na OMC. Já o grupo liderado por Washington pôde apenas alinhar-se em torno da esperança de fazer avançar a PTP, na reunião da OMC marcada para dezembro, também em Bali. Mas o Presidente americano não pôde de novo comparecer, e os chineses voltaram a brilhar  na conclusão de um “acordo para a facilitação do comércio” (ATF, na sigla inglesa). Terminada a APEC, a maioria dos delegados voou para o Brunei, onde se reunia a Cúpula do Leste Asiático, congregando os dez membros da ASEAN com oito “potências regionais”, entre as quais EUA, China, Índia e Rússia. Xi Jinping lá estava, mas não Obama. A PTP perdeu fôlego. Depois de participar com relevo das reuniões de outubro, Xi engatou visitas de Estado à Indonésia e à Malásia. Esta última, grande batalhadora da PTP, vivera pouco antes a decepção de ver cancelada uma visita de Obama. Na passagem pela capital da Indonésia, Xi surpreendeu até seus assessores, ao propor a criação de um Banco Asiático da Infraestrutura.

Apesar da inoperância americana no Leste Asiático, a balança do crescimento global ainda terminou 2013 pendendo para o lado dos EUA. E em janeiro de 2014, em Davos, Michel Froman, o Representante Comercial dos EUA, exibiu otimismo, ao defender a inclusão de cláusulas sociais, ambientais e de defesa de patentes, nos acordos de relançamento da rodada global ensaiada em Bali, em dezembro. Froman atendia a uma exigência do Congresso, imposta por lobbies sindicais e empresariais. E sua expectativa é já ter essas cláusulas na negociação da já citada PTP e da TTIP (sigla inglesa de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento). As duas iniciativas têm encontrado resistência mesmo entre aliados. No Japão, 200 membros da bancada governamental aderiram a uma organização que pede “a retirada imediata do país da PTP”. Na Europa, grupos de consumidores e ambientalistas expressam o temor de que a TTIP “americanize” os elevados padrões da EU. Mas é no próprio EUA que soa mais forte o fogo amigo, sustentado por deputados Democratas e aliados tradicionais de Obama, como sindicatos e ambientalistas. As novas regras deverão exercer pressão sobre os grandes países que tenham ficado de fora das duas iniciativas, a começar pela China, que na verdade é um alvo tanto da PTP quanto da TTIP. Isso pôde ser sentido, por exemplo, em medidas propostas pelos americanos, em Davos, no tocante ao comércio de painéis solares.

Para encerrar, tem interesse registrar a decisão de Roberto Azevedo, ao organizar o primeiro escalão de assessores, de retribuir o apoio da China à sua eleição, nomeando o chinês Yi Xiaozhun para um dos cargos de Vice-Presidente da OMC. A primeira vez que posto desse nível foi dado ao representante de Pequim na organização.

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