Em Conjuntura Internacional, Destaques

Na coluna anterior [“EUA-China: Rivalidades no Sudeste Asiático – o Mianmar“]*, acabei não tendo espaço para a exposição, que desejava fazer, do Vietnã como um dos principais polos da rivalidade sino-americana por influência no Sudeste Asiático. Procurarei tratar melhor o assunto nesta nova coluna. País hoje com população de 90 milhões de habitantes, o Vietnã tem história milenar de estreito relacionamento demográfico com a China, de onde vieram seus povoadores originais. Durante cerca de mil anos o país foi inclusive governado como parte da China, mas depois da independência têm-se sucedido conflitos, típicos de povos irmãos. No último século, o país que saiu da Guerra do Vietnã (contra a França e os EUA) foi também o único do Sudeste Asiático onde vingou a revolução socialista de tipo chinês. O Partido Comunista do Vietnã (PCV), com estrutura copiada da do PCC, governa autoritariamente o país e é um discípulo aplicado das doutrinas econômicas e políticas da China.

A partir de 2009, enquanto Barack Obama procurava dar corpo ao seu “pivot” para a Ásia-Pacífico, uma série de incidentes começou a ocorrer no Mar do Sul da China, em geral envolvendo a China, as Filipinas e o Vietnã. Assim foi que, em julho de 2014,
a China introduziu na Zona Econômica Exclusiva do Vietnã uma plataforma de perfuração petrolífera em águas profundas, fazendo-a acompanhar nas semanas seguintes por mais de cem naves de proteção, além de dois caças em sobrevoo. Conforme registrado pela Asian Survey (janeiro de 2015), as autoridades vietnamitas reagiram com ambiguidade à investida chinesa, em contraste com manifestações populares contra a China. De repente, em meados de julho, a China retirou a plataforma, como se concluída sua missão. O Primeiro Ministro Nguyen Tan Dung, que havia ensaiado atitudes de críticas a Pequim, baixou a retórica depois da retirada da plataforma e passou a acertar os ponteiros com os chineses. Dung, político carismático, é o líder de facção do PCV que sustenta linha nacionalista e tecnocrática, em choque com setores liderados pelo Secretário Geral do partido, Nguyen Phu Trong, ideologicamente próximos dos chineses. O debate político entre essas duas facções intensificou-se em 2015, na preparação para o XII Congresso Nacional do PCV, com a renovação do Comitê Central e do Birô Político, tudo segundo o modelo chinês. Xi Jinping, o Presidente da China e Secretário Geral do PCC, reforçou os laços entre os dois países, com uma visita a Hanói em novembro de 2015, em retribuição à visita que fizera a Pequim, no mês de abril, o Secretário Geral do PCV.

Nguyen Phu Trong visitou também Washington, em julho de 2015, encenando um caloroso encontro com Barack Obama. Pequim demonstrou seu aborrecimento, voltando a deslocar a plataforma petrolífera para o Golfo de Tonquim, mas desta vez sem deixar as águas territoriais chinesas. No seu jogo entre Pequim e Washington, Hanói tem-se isolado dentro da ANSEA, fazendo par com as Filipinas como os únicos do grupo a ensaiarem medidas concretas contra as incursões chinesas no Mar do Sul da China. O Vietnã encomendou mais três submarinos à Rússia e tem reforçado sua Guarda Costeira, além de manter uma aparência de negociação com os EUA em torno da linha de contenção estratégica Índia-Japão, contra a China.

Também no campo econômico oscila o Vietnã entre a fidelidade ao socialismo de mercado chinês e as atrações americanas da Parceria TransPacífica (PTP). Agora, a 6 de agosto de 2016, The Economist dedicou uma longa análise às possibilidades que tem o Vietnã de firmar-se como novo Tigre Asiático. Os investimentos diretos estrangeiros bateram um recorde em 2015 e estão continuando a crescer em 2016: US$11,3 bilhões só no primeiro semestre. Mais importante, o Vietnã vem repetindo a boa mistura dos ingredientes para um rápido crescimento econômico que exibiram, em seu tempo, a Coréia do Sul e a China. É pouco sabido que o Vietnã sustenta, desde 1990, um crescimento médio do PIB da ordem de 6% ao ano, só superado pela China. Isso já lhe permitiu elevar-se de um dos países mais pobres do mundo a economia de rendimento médio. Sua longa fronteira com a China, fonte de choques armados no passado, é hoje uma vantagem comparativa. Nenhum outro país da área tem mais vínculos por terra e mar com as redes manufatureiras do Sudeste da China. À medida que os salários crescem lá, a relativamente jovem massa de trabalhadores vietnamitas perfila-se como substituta, vendo multiplicar-se no país os conglomerados de trabalho barato.

O governo em Hanói tem-se distinguido pelo cuidado posto na educação da mão-de-obra do país, permitindo-se com isso fazer boa figura no quadro dos acordos comerciais promovidos pelos países ocidentais, em particular a PTP e o pacto entre os EUA e a UE. A PTP está correndo risco de ser vitimada pelas contradições da campanha presidencial nos EUA. Mas se isso acontecer, o Vietnã – ainda segundo The Economist – já tornou conhecidas suas possibilidades.

* Ver link: http://bit.ly/2c6Brzb

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Amaury Porto de Oliveira. Embaixador.

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