Em Conjuntura Internacional, Destaques

A maratona de negociações em que, há dezoito meses, o P5+1 se envolvia com o Irã terminou a 2 de abril de 2015 com o anúncio, em Lausanne (Suíça), de um acordo preliminar que poderá concretizar-se como o maior legado da Presidência de Barack Obama. Por enquanto é um triunfo a meias, posto que ainda há detalhes fundamentais a serem negociados até 30 de junho deste ano. O que já foi acertado é o congelamento de uma série de avanços técnicos do programa nuclear iraniano, em troca da suspensão de sanções, tudo calculado para ampliar a um ano a capacidade atual do Irã de construir em dois meses uma bomba atômica. Medidas rígidas de monitoramento garantirão essa margem de tempo contra surpresas desagradáveis.

Conforme salientei em coluna anterior [ver link: http://bit.ly/1P6MW88], as negociações com o Irã vinham sendo conduzidas pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha (o P5+1), mas a força que dava sustento ao processo eram negociações secretas entre a Casa Branca de Obama (representada pelo Secretário de Estado John Kerry) e o chanceler iraniano Mohammad Javad Zarif. Tanto Zarif quanto Obama saudaram os resultados obtidos em Lausanne. Ao descer de volta em Teerã, em meio a multidão exultante, Zarif clamou que o Irã alcançara todos os seus objetivos: “Nenhuma central nuclear será fechada; prosseguirá o enriquecimento de urânio; o reator de Arak seguirá produzindo plutônio: e a central subterrânea de Fordo continuará ativa.” Obama, de seu lado, pôs ênfase em desmentir os críticos americanos e israelenses da negociação com o Irã. “Quando iniciamos a busca de uma estrutura capaz de deter o programa nuclear iraniano, revertendo-o em suas áreas principais, os críticos afirmaram que o Irã recorreria a trapaças, e nós não poderíamos verificar o cumprimento dos compromissos. Ao contrário, ocorreu exatamente o estipulado. O Irã cumpriu todas as suas obrigações. Eliminou seu arsenal de material nuclear mais perigoso. As inspeções do programa aumentaram. E as negociações avançaram, na esperança de um acordo mais abrangente.”

Especialistas como Joe Cincirione, do Fundo Ploughshares (O Estado de S.Paulo 12/04/15), vêm esmiuçando a documentação relacionada com o acordo de Lausanne, obtendo com isso uma grande relativização das “vitórias” proclamadas pelo chanceler iraniano. O estoque de centrífugas do Irã será reduzido de cerca de 20 mil máquinas, restando aproximadamente seis mil, das quais apenas cinco mil poderão de fato continuar a enriquecer urânio. Algo em torno de 14 mil centrífugas modernas, instaladas nos últimos dez anos, serão desativadas e deixadas num depósito vigiado. O estoque de gás de urânio de baixo enriquecimento, com o qual se alimentam as centrífugas, será cortado em espantosos 97%, reduzindo-o a apenas 300 quilogramas. É a combinação desses dois cortes, na quantidade de centrífugas e no estoque do gás de urânio, que vai assegurar o objetivo central de expandir para um ano o tempo de que necessitaria o Irã, se decidisse montar uma bomba atômica. Também no caso do plutônio, o atual núcleo de combustível do reator de Arak será destruído e substituído por um novo, que produzirá um quilograma de plutônio por ano, em vez dos oito quilogramas do velho núcleo. O Irã será obrigado a exportar todas as varetas do combustível usado retiradas do reator. Finalmente, inspetores internacionais poderão acompanhas toda a marcha do urânio e do plutônio no interior da indústria nuclear do Irã, no quadro do que será o mais rigoroso regime de inspeções jamais negociado.

Por esclarecedores que sejam os dados reunidos no parágrafo anterior, não bastam eles para que se firme um julgamento sobre o valor do acordo de Lausanne. A grande pergunta, como repisam analistas, é se havia alternativa à negociação diplomática. Os adversários desta ofereciam dois outros caminhos: manter e ampliar sanções ou um ataque militar para esmagar o programa nuclear iraniano. A eficácia das sanções é duvidosa; elas terão levado a população iraniana a pressionar por negociações, mas é improvável que a opinião pública fosse coagida a condenar o programa. E as sanções não impediram que o Irã formasse, nas duas últimas décadas, milhares de cientistas e técnicos em energia nuclear, além de espalhar por todo o país as instalações correspondentes. A solução militar provocaria um cerrar de fileiras da população, além de estimular Teerã a mobilizar em vários níveis seus aliados e amigos na região. Rússia e China romperiam certamente com a coalizão montada pelos EUA, e o que fosse desmantelado na infraestrutura nuclear já levantada seria retomado com mais vigor. Não há espaço para ir adiante nesta simples apresentação do acordo de Lausanne. Em coluna próxima, examinarei sua repercussão no contexto geopolítico.


Créditos de imagem: cija.ca

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