Em Conjuntura Internacional, Destaques

O Nordeste Asiático – região onde interagem China, Rússia, Japão e as duas Coreias – é uma das poucas áreas do globo em que perduram conflitos vindos da Guerra Fria. A partição da Península coreana, a problemática do Mar do Norte da China e a questão de Taiwan são exemplos contundentes do fato, todos os quais sofreram o impacto da eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA. Antes de ser empossado, Trump havia alarmado o Governo chinês ao sugerir a possibilidade de abandonar a política de “uma só China”, adotada por Washington desde 1979, e poucos dias após a posse pareceu ir fazer isso, ao aceitar um telefonema de congratulações da Presidente de Taiwan. No dia 9 de fevereiro, foi o Presidente chinês, Xi Jinping, que telefonou a Trump, manifestando as preocupações chinesas e pedindo-lhe que não levasse adiante a aproximação com o Governo de Taipei. Trump concordou formalmente com o pedido de Xi, e no que foi visto como gesto de agradecimento, a China anunciou  dias depois a suspensão de suas importações de carvão da Coreia do Norte. Pequim vinha mantendo essas compras, apesar das sanções contra elas passadas em março de 2016 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), como parte de sua política de sustentação do regime norte-coreano; 90% de todas as vendas externas de Pionguiangue vinham sendo absorvidas pela China e o carvão representava 42% desse total. A suspensão da compra do carvão representou também o descontentamento de Pequim com a insistência dos norte-coreanos no lançamento de mísseis com ogiva nuclea

A suspensão das importações de carvão foi feita depois de um encontro, na Alemanha, entre o novo Secretário de Estado americano, Rex Tillerson, e o Ministro do Exterior chinês, Wang Yi.. O representante de Trump insistiu que a China tem controle total sobre o regime de Pionguiangue e deveria resolver sozinha o problema do programa nuclear norte-coreano. Wang defendeu a reabertura das negociações das seis partes interessadas na liquidação do programa em questão. É importante, frisou Wang, que EUA e Coreia do Norte cheguem a uma “decisão política”. Um entendimento entre os dois países, que leve à superação do armistício de 1953, é notoriamente o alvo dos esforços e das bravatas nucleares da dinastia Kim. Sem esse entendimento, Pionguiangue teme ser esmagada a qualquer momento pelos EUA. EUA e Coreia do Sul tergiversam, porém, e deixaram a China furiosa com a decisão de instalar no Sul da Península o sistema de defesa contra mísseis, conhecido como THAAD. Os americanos afirmam que o sistema é essencial para a neutralização dos mísseis norte-coreanos, mas Pequim vê o THAAD como voltado contra seus próprios mísseis, reduzindo a efetividade do sistema chinês de defesa

Paradoxalmente, depois da retórica contra a China, desenvolvida durante a campanha presidencial, as medidas concretas de Trump Presidente têm em geral resultado em ganhos para a China. Assim foi com a retirada por decreto dos EUA da PTP (Parceria TransPacífica). O Governo de Pequim pôde voltar-se para acordos de livre comércio, em novas composições com os vizinhos asiáticos e sem incluir os EUA. Além dos casos de pura volta atrás, como o telefonema de Trump a Xi Jinping, assegurando sua concordância com a política de “uma só China”. Mas em que pese este clima de conciliação, Trump assinou decreto para expandir as Forças Armadas, com ênfase na Marinha, e como lembra o correspondente do Valor em Washington, no dia da posse de Trump o site do Exército chinês comentou que a possibilidade de uma guerra sino-americana ficara mais real. Em Washington, o estrategista-chefe da Casa Branca acentuou: “Vamos à guerra no Mar do Sul da China em cinco ou de anos. É inevitável.” Os chineses reconhecem o perigo, mas não são tão pessimistas. Em entrevista à imprensa no encerramento (15.03.17) da sessão anual do Legislativo, o Primeiro Ministro Li Keqiang foi claro: “Nós não queremos ver uma guerra entre a China e os EUA. O fato de Trump haver aceitado a ‘política de uma só China’ criou a base para os dois países trabalharem juntos.” Li defendeu também a política cambial chinesa. Segundo comentário do Financial Times, o Primeiro  Ministro frisou: “Não iremos usar o câmbio para fomentar nossas exportações. Isso seria prejudicial aos esforços do governo no sentido de fortalecer a competitividade das empresas chinesas.”

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