Em Destaques, Música

Com frequência me perguntam que compositor é o meu preferido. Isto depende, digo, da hora, do dia, se é fim de mês, se briguei com minha mulher, quantos copos de vinho tomei. Posso apenas informar qual o ou os compositores que mais ouvi nestes últimos tempos. Recentemente Cristopher Hogwood, cravista e regente, um dos pioneiros da música barroca e renascentista com práticas e instrumentos de época, fez uma declaração que deixou muitos críticos atônitos. Disse que preferia Haendel a Bach e Haydn a Mozart, só faltou dizer que preferia Schubert a Beethoven. E, no entanto, estas preferências são absolutamente defensáveis. Mas, a tradição estabelecida por anos de crítica impôs uma hierarquia que não é senão um empilhamento de preconceitos emitidos por modas e comentaristas incompetentes. Não devemos esquecer que o crítico musical nada é senão um musicista fracassado e, frequentemente, rancoroso. Em realidade o crítico musical é antes uma vítima, pois o que o público dele espera, ou mesmo exige, ele não pode proporcionar pela própria natureza mal definida, controvertida, do seu material de estudo. Foi-se a época em que os intelectos de um Bernard Shaw, Merten, Newman, etc., ousavam emitir opiniões pessoais e dogmáticas nem sempre racionais, ou sequer coerentes. Mas que, não obstante, contribuíram para estabelecer uma hierarquia oculta e sutil.

Vamos a alguns exemplos. Nenhum crítico ousa afirmar que a música de Bach é superior à de Haendel, mas se alguém diz que a música de Haendel é superior à de Bach, desencadeia-se uma tempestade de protestos.

Gustav Leonhardt

Gustav Leonhardt

Há poucos anos, Gustav Leonhardt, musicólogo e musicista que foi um dos responsáveis pela restauração das práticas tradicionais de interpretação da música do Renascimento e do Barroco, disse que não entendia como alguém poderia gostar de Haendel. Para muitos esta afirmação é uma heresia. Para os críticos ingleses é uma declaração de guerra, uma afronta. Leonhardt é um alemão. Haendel, nascido na mesma região da Saxonia que Bach, nascido no mesmo ano que Bach e levado à cegueira pelo mesmo médico-carniceiro que cegou Bach, teve, não obstante, uma formação eclética. Enquanto Bach nunca saiu da Alemanha, do circuito das instituições protestantes, Haendel ainda muito jovem migrou para a Itália e lá compôs música italiana, melhor que qualquer compositor italiano da época, voltou para Alemanha e voltou a compor música alemã. Foi então duas vezes para Inglaterra e acabou por lá ficando e compondo música inglesa melhor que qualquer compositor inglês de todos os tempos. Ora, para o alemão Leonhardt, entretanto, parece que música é só aquela genuinamente alemã, e Leonhardt é talvez o maior intérprete de Bach, tanto ao cravo como na regência. Este exemplo mostra como tudo em música é uma questão de gosto. Há até quem goste do brega André Rieu e seus espetáculos circenses.


Créditos de imagem: nytimes.comencrypted-tbn2.gstatic.com

Facebooktwitter