Em Destaques, Sem papas na língua

O eminente jurista Ives Gandra acusa Cuba e Brasil de serem responsáveis pela condição que classifica como de escravatura, do contrato que rege o programa “Mais Médicos”. Sua argumentação exclusivamente burocrática ignora as condições em que Cuba se encontra. Para entendermos a realidade daquele país, comecemos por uma analogia.

Quando um país é ameaçado, seu governo atribui a um grupo de cidadãos, voluntária ou compulsoriamente, a missão de defendê-lo. Esta é uma prática universal. Com frequência os salários desses soldados são insignificantes. Não obstante, se qualquer um se recusa a servir seu país, é considerado um criminoso.

Há cinquenta e dois anos EUA impôs drásticas sanções econômicas, financeiras e comerciais contra Cuba, que resultaram em extrema pobreza daquele povo. Sua principal fonte de renda de então, a indústria de açúcar, perdeu competitividade e hoje está em frangalhos. Para sobreviver, para assegurar insumos vitais, tais como remédios, certos alimentos, combustíveis, etc. conta Cuba quase que exclusivamente com a exportação de tabaco (charutos), rum, minérios e turismo e, intermitentemente, dos serviços profissionais prestados no exterior, especialmente pelos seus médicos. Podemos imaginar o quanto significa de renuncia do povo de um país pobre como Cuba custear a formação desses médicos. Um contrato como este que Cuba assinou com o Brasil não serve apenas para reduzir a pobreza das famílias dos participantes do programa, mas antes de tudo para a melhora das condições de vida de centenas de milhares de indivíduos daquele país.

Pergunto àqueles que argumentarem que os recursos provenientes do programa “Mais Médicos” vão para o bolso dos “opressores”, baseados exclusivamente em hipóteses, sem evidências concretas, se não é isto o que os juristas chamam de difamação?

Se meia dúzia de oportunistas se valeram deste subterfúgio para se refastelarem nas praias da rica Miami, à custa de um programa ignóbil da Potência Americana, não deveríamos enaltecê-los, mas deplorá-los, pois apenas um em mil traiu seu compromisso com o Brasil e com o seu povo. Quantos na sua própria família e em seu país vão sofrer por causa da fuga de cada inadimplente. Apoiar esses poucos infensos não é apenas uma falta de percepção da questão social envolvida, mas é, antes de tudo, falta de humanidade. Reduzir a questão do “Mais Médicos” a uma infringência burocrática ou, pior ainda, a um conflito partidário ou ideológico, o que não é, certamente, o caso do jurista, é uma indignidade.

Créditos de imagem: cristianolima.com

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