Em Análises e Reflexões, Destaques

Qualquer gestor consciente do setor de Ciência e Tecnologia reconhecerá que o Instituto Butantã é inerentemente ingovernável. E isto é consequência de sua natureza ambivalente, pois a instituição inclui missões divergentes, tais como a fabricação de vacinas, a pesquisa básica e o desenvolvimento de substâncias de interesse terapêutico, inclusive vacinas.

A fábrica, a produção de bens, só tem sucesso se desenvolver uma cultura baseada em valores específicos, tais como rentabilidade, penetração em mercados, produtividade (como expressa por relações de custos-lucros) etc. Uma instituição de pesquisas de qualidade só se estabelece se seus valores próprios, tais como a obstinada busca de explicação dos fenômenos naturais, o estrito respeito à verdade, etc., foram preponderantes. É claro que, em essência, não há conflito entre esses dois conjuntos de valores. A hierarquização inevitável entre eles é que provocará antagonismos insuperáveis. O pós-guerra viu um espetacular desenvolvimento da ciência pura e aplicada nos EUA e no resto do mundo pela atuação das grandes corporações industriais. Todavia, essas organizações foram suficientemente hábeis para separar inteiramente tanto a gestão quanto à localização de suas fábricas das de seus laboratórios de pesquisas, fossem estes aplicados ou de ciência básica. A ATT (“Bell System”) com seus imensos laboratórios espalhados pelos EUA, assim como a General Electric, a IBM e até as fabricantes de veículos, GM, Ford, etc. todos com uma separação nítida, inclusive geográfica entre produção e pesquisa. O exemplo foi seguido por grandes corporações europeias como Philips, Siemens, etc.

O Butantã teve seu apogeu na gestão de Isaias Raw, que era ele mesmo um misto de gestor com experiência tanto executivo em empresas que ele próprio fundou quanto em pesquisas. Sua desinteressada dedicação e obstinada vocação missionária permitiu o relativo sucesso como gestor da multifacetada instituição. Mas homens como ele não se encontram com facilidade. O governo do Estado de São Paulo deveria considerar a possibilidade de segmentar o atual Butantã em duas instituições com gestões inteiramente independentes. É um engano supor, como já se pensou no passado, que há mais benefícios do que prejuízos em se associar pesquisa a produção. Hoje sabemos que mesmo a pesquisa aplicada, o desenvolvimento de produtos e processos é incompatível com o sistema de produção de bens, ou seja, com fabricação. A coisa se complica com o tempo e as fraturas ocasionadas por divergências conceituais, para não dizer ideológicas, e que têm como consequência a formação de corporações por oportunistas. E tudo se agrava quando os funcionários são estáveis e, portanto, irremovíveis. A solução óbvia é, portanto, separar a produção da pesquisa.

A simples divisão em produção e pesquisa com grupos distintos de servidores em uma mesma instituição, não resolve o conflito, pois no caso em vista há uma gestão única, um orçamento comum. Mas para isso é preciso vontade política, coragem e gestores adequados.

FSP: 24/03/2017.

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