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Muitos não compreendem como pôde o talento teatral de Beethoven e a melodia espontânea de Schubert, ambos compositores obsessivamente dedicados à ópera, terem falhado tão estrondosamente quando comparados com as obras nesse gênero de Mozart.

Ninguém sabe, como Beethoven, gerar um clima de suspense, de tensão, e ninguém é igual a Schubert na expressão de sentimentos melancólicos e líricos. E esses são, obviamente, elementos essenciais, constituintes do drama musical.

Mas o mistério já fica abalado quando lembramos a inclinação natural de Mozart por esse gênero. Suas primeiras óperas foram escritas e apresentadas ao público quando o autor tinha onze ou doze anos. Aliás, ainda hoje é apresentada com frequência seu Singspiel – Bastião e Bastiana, representada pela primeira vez em 1768, quando tinha o autor doze anos.

Podemos, pois, desconfiar que Mozart dispunha, instintivamente por certo, dessa percepção peculiar que habilita o compositor operístico a tirar um melhor proveito dessa mágica combinação entre som e expressão que é a essência da ópera. E que explica como o talento musical medíocre de um Puccini pode ter sucesso onde o gênio magnífico de Beethoven desmorona.

É claro que a vontade férrea de Beethoven acabou por fazer de Fidelio uma ópera de boa qualidade, e que o gênio puramente musical de Schubert nos deleita em suas incursões operísticas. Mas sentimo-nos como aquele que aprecia a Bíblia pela poesia ou pela sintética narrativa, mas não pela expressão religiosa. Eis por que não incluo o Fidelio de Beethoven ou o Alfonso e Estrella de Schubert dentre as dez óperas minhas preferidas. Então vamos por ordem cronológica.

Monteverdi não poderia ficar fora desse conjunto, e a sua mais sedutora ópera é O Retorno de Ulisses, entre as únicas três que sobreviveram, embora qualquer das duas outras seja comparável.

Em seguida é preciso incluir Haendel. É uma lástima que suas óperas sejam tão pouco conhecidas. E seria uma arbitrariedade escolher qualquer uma delas. Todavia há algumas que poderiam representar melhor as demais. E dentre essas escolho Rodelinda; exatamente por que, eu não sei.

Assim chegamos a Mozart. Fico com Wagner que afirmou que Mozart não somente inventou a ópera alemã com A Flauta Mágica; mas também estabeleceu os limites superiores de qualidade. E Wagner não era nada modesto.

Mas eu vou um pouco mais longe. Estou convencido que Mozart estabeleceu o padrão de perfeição também da opera buffa com As Bodas de Fígaro e da grande ópera com o Don Giovanni. É com pesar que não incluo aqui o Così Fan Tutti, por exemplo. Mas as três obras paradigmas de seus respectivos gêneros certamente não podem deixar de figurar nessa seleção.

Como nessas primeiras cinco escolhas, as demais serão também fruto antes de irresistíveis forças subjetivas do que de qualquer reflexão racional. Vou assim expô-las de imediato. De Wagner, o Meistersinger; de Debussy, o Pelléas et Mélisande; de Verdi, o Otelo; de Mussorgsky, o Boris Godunov; e de Berg, o Wozzeck.

É claro que reconheço que, para representar uma curtíssima história da ópera, a essa seleção falta apenas Eurídice, de Jacopo Peri. E eu não discordaria da inclusão dessa que foi a primeira verdadeira ópera, dentre as que sobreviveram.

Talvez também seja verdade que escuto com mais frequência o Così Fan Tutti, não incluído nessa coletânea, do que, por exemplo, o Pélleas, de Debussy. Todavia, a satisfação intelectual que experimento quando escuto um Wozzeck ou um Pélleas é, em sua essência, distinta daquela derivada de, digamos, um Rigoletto, de Verdi popularesco.

Sei também que enfrento a ira dos wagnerianos fanatizados que não se conformarão com a exclusão seja do Tristão, seja do Parsifal. Mas haverá, por certo, também mozartianos extremos que terão suas reivindicações. E não podemos esquecer aqueles Românticos exacerbados que perguntarão por que afinal o Boris e não o Freischütz de Weber.

A verdade é que, uma vez concluída, essa lista me parece bastante realista, ou melhor, suficientemente convergente com o meu arbitrário e preconceituoso gosto pessoal.

Nota – Do livro do autor Um Roteiro para Música Clássica. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1992. 705p. Publicado originalmente no jornal FSP: 12/03/1989.

Claudio Monteverdi
Il retorno d’Ulisse in Patria C
oncerto vocale
René Jacobs
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