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Na quinta-feira, quando Dilma teve uma queda de pressão no SBT, um médico gaúcho usou o twitter para mandar essa “#%&!##”chamar um “médico cubano.”

(Dois dias antes, ao sair do carro no estacionamento da TV Band, para o debate anterior, a presidente foi recebida pelos gritos de um assessor parlamentar adversário. Ouviram-se coisas como “vaca”, “vai para casa…”)

No Rio, o cronista Gustavo Duvivier passou a receber diversos tipos de ameaça depois que publicou um texto onde deixou clara sua preferência por Dilma.

Agressores avançaram sobre o escritor Enio Gonçalves Filho, blogueiro com momentos de boa inspiração – e que é cadeirante – quando ele se dirigia ao Churrasco dos Desinformados, na Praça Roosevelt. Enio se dirigia a um protesto para responder ao comentário de Fernando Henrique Cardoso sobre a vantagem de Dilma nos estados do Nordeste (“O PT está fincado nos menos informados, que coincidem de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT. É porque são menos informados,” disse FHC).

No meio do caminho, três sujeitos avantajados tentaram obrigar Enio a tirar sua camisa vermelha – ele é petista – e chacoalhavam sua cadeira de rodas.

Uma comunidade de quase 100 mil usuários numa rede social, que se declaram profissionais da classe médica brasileira, se tornou palco de uma guerra dentro da corrida presidencial. Com o título de “Dignidade Médica”, as postagens do grupo pregam “castrações químicas” contra nordestinos, profissionais com menor nível hierárquico, como recepcionistas de consultório e enfermeiras, e propõe um “holocausto” contra os eleitores de Dilma.

Eleições apertadas, que envolvem projetos políticos distintos, podem gerar conflitos entre eleitores que chegam a lembrar torcidas de futebol. Mas estamos assistindo a uma situação diferente: ações agressivas destinadas a dar suporte a uma ideologia política de exclusão e negação de direitos elementares.

A maioria dos estudiosos costuma ligar a emergência do ódio político, sentimento que está na base dos movimentos fascistas, a situações de crise econômica, quando a maioria das pessoas não enxerga uma saída para suas vidas nem para suas famílias. Embora a economia brasileira tenha crescido pouco em 2014, ninguém definiria a situação do Brasil como catastrófica.

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A intolerância de 2014 tem origem política e tem sido estimulada pelos adversários do PT e Dilma. Procura-se questionar a legitimidade de suas decisões e rebaixar moralmente os eleitores que os apoiam.

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É sempre interessante recordar um levantamento feito em 2011 pelo instituto Data Popular. Entrevistando 18 000 cidadãos na parte superior da pirâmide de renda, o DataPopular descobriu que:

55,3% concordam que deveria haver produtos para ricos e pobres

48,4% concordam que a qualidade dos serviços piorou com o maior acesso da população

62,8% concordam que estão incomodados com o aumento das filas

49,7% concordam que preferem frequentar ambientes com pessoas do seu nível social

16,5% concordam que pessoas mal vestidas deveriam ser barradas em alguns lugares

26,4 % concordam que o metrô aumenta a circulação de pessoas indesejáveis na região em que moram

17,1% concordam que todos os estabelecimentos deveriam ter elevadores separados.

A intolerância e o ódio cresceram no Brasil com uma consequência inevitável de um movimento destinado à criminalização da política e dos políticos – em particular do Partido dos Trabalhadores, nascido para ser “aquela parede protetora” das classes assalariados e dos mais pobres, para usar uma expressão de Hanna Arendt. Pela destruição das barreiras de classe, que permitem distinguir um partido de outro, os interesses de uns e de outros, firmou-se o conceito de que nossos homens públicos são autoridades sem escrúpulo e bandidos de alta periculosidade, sem distinção, descartáveis e equivalentes, “não apenas perniciosas, mas também obtusas e desonestas, ” como escreveu a mestra.

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Há outros componentes no Brasil de 2014. A referencia sempre odiosa aos médicos cubanos que respondem pelo atendimento de brasileiros que nossos doutores verde-amarelos não têm a menor disposição de atender revela o casamento do preconceito com um anticomunismo primitivo, herança viva da ditadura de 1964. Permite ao fascismo recuperar o universo Ame-o ou Deixe-o, assumir-se como aliado da ditadura sem dizer isso de forma explícita.

O progresso social dos últimos anos ajudou a criar ressentimento de camadas de cima que se veem ameaçadas – em seu prestígio, mais do que por outra coisa – em função do progresso dos mais pobres, essa multidão despossuída que na última década conseguiu retirar uma fatia um pouco mais larga do bolo da riqueza do país.

Em 2010, a vitória de Dilma Rousseff foi saudada em São Paulo por um grito no twitter: “Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado!”, escreveu uma estudante de Direito. Três anos mais tarde, ela foi condenada um ano e cinco meses de prisão, mas teve a pena transformada em prestação de serviços comunitários.

“O que perturba os espíritos lógicos é a indiscutível atração que esses movimentos exercem sobre a elite “, escreveu Hanna Arendt.

Richard Sennet, um dos principais estudiosos das sociedades contemporâneas, definiu o ressentimento como a convicção de que determinadas reformas em nome do povo “traduzem-se em conspirações que privam as pessoas comuns de seu direito e seu respeito.” Os benefícios oferecidos aos mais pobres resultam em insegurança e insatisfação por parte dos cidadãos que estão acima das políticas sociais dirigidas às camadas inferiores, explica Sennet, para quem essas pessoas tem o sentimento de que o governo “não conhece grande coisa de seus problemas, apesar de falar em seu nome.”

Mas quais seriam estes problemas? Hanna Arendt falou em “amargura egocêntrica.”

Na decada de 1950, poucas medidas de Getúlio Vargas despertaram o ódio de seus adversários como a decisão de aumentar o salário mínimo em 100%. Pouco importava que esse número se baseasse na inflação do período anterior, de inflação altíssima. A questão é que, com um salário desses, um operário da construção civil poderia ganhar o mesmo que um militar de baixa patente e outros funcionários públicos — e isso era inaceitável num país onde o trabalho de um pedreiro era visto como a herança da escravidão.

O fim da história nós sabemos.

Leia o texto integral aqui: http://brasildebate.com.br/o-fascismo-a-espreita-na-reta-final/

Por Paulo Moreira Leite, jornalista.


Créditos de imagem: brasil247.com

 

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