Em Cinema, Destaques

No rastro de destruição da crise de 2008, o mundo das finanças voltou a atrair a atenção do cinema, em produções tão diferentes como Capitalismo, uma História de Amor (Michael Moore, 2009), Wall Street, o Dinheiro Nunca Dorme (Oliver Stone, 2010), Trabalho Interno (Charles Ferguson, 2010), Margin Call (J.C. Chandor, 2011), Cosmopolis (David Cronenberg, 2012), O Capital (Costa Gravas, 2012), Blue Jasmine (Woody Allen, 2013), entre vários outros.

Inevitavelmente, esses filmes lançam um olhar crítico sobre os mercados financeiros globalizados e desregulados e sobre seus personagens, movidos pela cobiça e dominados pelo poder do dinheiro – pode-se dizer o personagem principal de todos eles.

O Lobo de Wall Street, o novo filme de Martin Scorsese, faz parte desse coro, mas rejeita o tom cerimonioso e a abordagem didática da especulação financeira e do seu descolamento da “economia real”. A partir de material autobiográfico, o diretor reproduz a trajetória da vertiginosa ascensão e queda do Broker Jordan Belfort como uma comédia de excessos, dissipação e, sobretudo, de enorme mau gosto.

Wall Street é a referência simbólica, mas não é dela que se trata. O cenário de Scorsese não é o Grand Monde financeiro, mas Long Island, onde se multiplicaram entre os anos 80 e 90 pequenas firmas de corretagem envolvidas na comercialização das chamadas “penny-stocks” – ações de baixíssimo valor e escassa liquidez, não negociadas em bolsas, que geravam elevadas comissões de corretagem. Ao invés das instituições too big to fail  o foco recai sobre os negócios altamente lucrativos da Stratton Oakmont, corretora de valores fundada por Belfort, que se especializou na operação conhecida como “pump and dump” (“inflar e descarregar”).

A operação, consumada por meio de ligações telefônicas, consistia em convencer potenciais investidores, incautos ou não, a comprar ações de baixo valor, já na carteira da Stratton Oakmont, com o fim de elevar artificialmente o seu preço. Como este costumava ser muito baixo, a variação também era brutal. Na alta, Belfort vendia as ações em seu poder e realizava seu lucro. Os preços das ações despencavam antes que os investidores se dessem conta dos prejuízos.

Jordan Belfort é um personagem menor no mundo das finanças, esperto o suficiente para aprender a regra do jogo e encontrar um nicho para o enriquecimento rápido e uma vida de ostentação ao lado dos seus bons companheiros – os corretores pioneiros da Stratton Oakmont, vendedores de drogas que trocaram de produto e não de ramo, na metáfora pouco sutil de Scorsese.

É inevitável a associação a filmes anteriores do diretor como Os Bons Companheiros e Cassino, nos quais os personagens transitam com facilidade entre o mundo do dinheiro e o mundo do crime. Mais uma vez, ele escolhe tratar o Capitalismo “pelas suas franjas”, explorando os caminhos tortos trilhados na busca de “fazer dinheiro” e não de “ganhá-lo”. O caminho do “Lobo” não é violento e sanguinário como os seus predecessores e tampouco marcado por conflitos de valores. O poder do dinheiro é absoluto.

Scorsese não ignora as “vítimas” de Belfort, como acusam alguns críticos e até mesmo um Promotor Federal americano[1] envolvido com o caso, mas as enxerga em toda parte, prontas a se deixar seduzir pelas promessas de retornos rápidos e elevados de vendedores mais hábeis.

O problema é que o filme de Martin Scorsese vai tão longe na exposição da vida hedonista de Jordan Belfort e das bizarrices do ambiente de trabalho na sua firma, que o espectador fica com a sensação de que se trata apenas de um caso de desvio de conduta no higiênico mundo das finanças. Não parecia ser este o propósito do diretor.

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