Em Destaques, Vida Nacional

Por Fernanda Orsomarzo

Certo dia, ao chegar ao fórum, avistei uma moça que me aguardava na entrada do gabinete. À medida que me aproximava, ela baixava os olhos para o chão, acuando-se num canto entre a parede e a porta.

– Olá! Posso te ajudar em algo?

– Oi, doutora. Meu marido pediu para que eu falasse com você.

– Quem é seu marido?

– É o João (nome fictício). Ele está preso.

– Ah, sim. O que aconteceu?

Nesse momento, a moça de corpo franzino começou a chorar. Suas lágrimas eram acompanhadas por intensos soluços e, por conta disso, não conseguia falar. Eu, surpresa e sem jeito com a situação, pedia para que ela se acalmasse, o que foi acontecendo aos poucos.

– O que há? Por que chora tanto?

– Eu só queria saber quando meu marido sai da cadeia, doutora.

Eu, então, me calei. Tendo em vista o estado emocional daquela mulher, que me olhava com tanta tristeza, não podia simplesmente dizer que seu companheiro ainda enfrentaria mais sete longos anos de prisão. Contudo, enquanto pensava em como dar a notícia, ela se adiantou:

– Acabei de sair do hospital. Sangrei uma noite inteira sozinha. Pedi ajuda, mas os vizinhos não escutaram. Perdi meu filho. Perdi a criança que preencheria a minha solidão. Estou só, doutora. Não tenho ninguém.

E começou a chorar novamente. Eu, diante dela, experimentava mais uma vez o sentimento que tem sido para mim uma constante na Vara de Execuções Penais: a impotência.

Por que conto esse episódio?

Conto para que não esqueçamos que o cárcere esconde dramas e histórias de vida que vão além, muito além daquelas paredes mofadas e mal cheirosas, daqueles corpos amarelados e abatidos. Conto para que saibamos que existem pais, mães, esposas e filhos que, apesar de não estarem fisicamente presos, encontram-se em intenso sofrimento psíquico. Conto para dizer que é absolutamente possível ser solidário às vítimas da violência e lutar para que o sistema carcerário não faça mais vítimas; afinal, ser a favor da vida não admite meio-termo. Conto para que lembremos que diariamente pessoas são entulhadas como lixo, muitas delas sem decreto condenatório definitivo, a fim de que seja saciada a sede de vingança de uma sociedade doente. Conto para que saibamos que seres humanos “pagam” pelos erros cometidos num lugar que, ao invés de ressocializar, é a barbárie na Terra. Conto para lembrar que cabe ao Estado, sim, a sua proteção, e que a Constituição Federal prevê a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, sendo um de seus objetivos a promoção do bem estar de todos. TODOS, sem exceção. Conto para dizer que não quero, não posso e não vou me conformar com a situação dessas pessoas, e que no dia em que achar natural a morte de 60 seres humanos, no dia em que não enxergar nada além de “bandidos” naqueles corpos atrás das grades, a magistratura já não estará mais viva em mim. Eu já não estarei mais viva.

Do Facebook da Autora [http://bit.ly/2iOSWaE]:06/01/2016.

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Fernanda Orsomarzo. Advogada. É Juíza de Direito, no Paraná.

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