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Por José Paulo Kupfer 

Hipótese de revisão antecipada da PEC do teto, de autoria do próprio presidente Michel Temer, mostra serem grandes os riscos de o resultado não ser o esperado

Uma coisa é reconhecer como inevitável a necessidade de controlar as contas públicas. Outra coisa, já que estamos diante de um óbvio e complexo conflito distributivo, é decidir a maneira ao mesmo tempo mais eficaz e justa de alcançar o objetivo. Não há uma fórmula única, e a escolhida pelo governo, mais ainda depois de aprovada com folga em primeira votação na Câmara dos Deputados, nesta segunda-feira, destampou um intenso debate.

Sob o ambiente das redes sociais, que, como sabemos, potencializam muitas vezes argumentações polarizadas — e, para sermos elegantes, em geral frágeis —, foram produzidas análises tecnicamente ponderadas tanto entre defensores do congelamento em termos reais dos gastos públicos totais, por longos 20 anos, quanto pelos seus críticos. Até mesmo algum consenso foi alcançado, sobretudo no que se refere ao fato de que, sem outras reformas restritivas de despesas públicas, com prioridade para a da Previdência Social, mas sem esquecer a necessidade de reduzir os juros básicos, o objetivo de estancar a trajetória de alta da dívida bruta pública, em relação ao PIB, e fazê-la retroceder aos níveis de outras economias emergentes, hoje pelo menos 20 pontos percentuais abaixo da brasileira, não poderia ser alcançado.

Outras ponderações, embora sem que se possam incluí-las no escaninho dos consensos, parecem bem sustentáveis. Uma delas é a de que a correção do teto de gastos pela inflação — e não por alguma regra em linha com as tendências do ciclo econômico, das receitas públicas e do PIB nominal — representa uma autêntica jabuticaba ou quase isso, na medida em que a fórmula não é encontrada em nenhuma outra economia e muito menos com a rigidez de regra constitucional desenhada.

Na mesma condição estão as críticas à falta de complementos à PEC do teto, que equilibrassem melhor os pratos da balança em que o conflito distributivo, derivado, em última análise, de uma generalizada derrubada de receitas públicas, agora se impõe. A inexistência de medidas na direção do desmonte de uma série de desonerações e renúncias fiscais deixa a impressão de que a PEC vai morder a turma de baixo da pirâmide, que, por definição, é mais dependente das despesas públicas, mas passa ao largo de supostos privilégios para o pessoal de cima.

Tratadas, no resto do mundo, pelo nome de gastos tributários, essas desonerações e renúncias, por isso mesmo, são entendidas como despesas públicas, semelhantes a quaisquer outras. No conjunto, só para 2017, somam R$ 280 bilhões, o dobro do déficit primário previsto para o ano, e muitas vezes configuram regimes especiais com baixa ou nenhuma eficiência econômica e social.

Mesmo entre apoiadores da PEC do teto, não há certeza de que seus efeitos corretivos serão plenamente alcançados e, portanto, se revisões de rota não terão de ser feitas muito antes dos 20 anos previstos. O próprio presidente Michel Temer, ontem, aventou a hipótese de que, com crescimento mais forte em prazo mais curto, essa revisão possa ser feita, se bem que por outra emenda constitucional, em quatro ou cinco anos.

A ressalva agora apresentada pelo próprio presidente é suficiente para mostrar serem grandes os riscos envolvendo a PEC. Esses riscos dizem respeito não só ao tamanho do torniquete aplicado aos gastos sociais, mas também à hipótese de que o enorme esforço de contenção a ser empreendido não produza, juntamente com a volta da confiança, a onda de investimentos — e, consequentemente, de crescimento — imaginada pelos defensores da PEC.

Acenar com sacrifícios nas áreas sociais, inclusive na política de aumento real do salário mínimo, nessas circunstâncias, embute apostas variadas. Temer já disse que a PEC do teto pode vir a ser o Plano Real de seu governo. O problema é que corre o perigo de acabar sendo o seu Plano Collor.

O Globo:14/10/2016. 

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José Paulo Kupfer. Jornalista.

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