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Por Amir Khair

A tese central do governo Michel Temer é de que há excesso de despesas sociais, derivado da Constituição, que não podem ser mantidas pelo Estado sob pena de estourar as contas públicas. O argumento usado é de que essas despesas vêm crescendo há vários anos acima do crescimento da economia. Para frear essa tendência, foi enviada ao Congresso a PEC 241, que congela por 20 anos a despesa federal. A única exceção (?) é a despesa com juros, que fica livre para crescer.

É crescente o número de emendas no Congresso para flexibilizar a PEC 241 pela própria base de sustentação do governo. Afora a delicada questão política dessa PEC, o congelamento acirra a disputa por recursos no interior da demanda social, que cresce: a) pelo déficit histórico em quantidade e qualidade e; b) pelo crescimento demográfico da demanda. Isso é nitroglicerina pura para a explosão social!

Junto com a PEC, o governo quer nova reforma da Previdência estabelecendo idade mínima de 65 anos para ambos os sexos, para todos os trabalhadores com menos de 50 anos. A tese defendida pelo governo desconsidera que a maior despesa pública e a que mais cresce são os juros da dívida. Em 2015, o déficit da Previdência foi de R$ 85 bilhões e, com juros, de R$ 502 bilhões, seis vezes mais.

Nos últimos 20 anos, em termos reais, a despesa da Previdência cresceu 228% e a de juros 579%, portanto, mais que o dobro. Em 2015, os juros causaram 82% do déficit público!

É por essa razão que, antes da crítica às despesas sociais, que beneficiam a maioria da população, justifica-se o foco fiscal na anomalia dos juros que beneficiam os bancos e uma minoria da população, a de maior renda.

Além disso, ao restringir despesas sociais, é reduzida a atividade econômica, colocando mais uma barreira à retomada do crescimento econômico. Uma redução na despesa social do governo causa uma redução de igual valor no Produto Interno Bruto.

Previdência. A proposta do governo retira direitos da maioria da população e carrega forte dose de rejeição na sociedade, o que poderá trazer séria derrota do governo no Congresso. Ao se fixar na idade mínima como critério de aposentadoria, sem levar em conta o tempo de contribuição, prejudica os que ingressaram mais cedo no mercado de trabalho. Mas o mais grave problema causado pela idade mínima de 65 anos é que desconsidera que o mercado de trabalho expulsa e troca os mais velhos pelos mais jovens, sendo reduzida a presença dos idosos na vida laboral. A perda de vencimentos é agravada com maiores despesas com saúde para essas pessoas.

O sistema atual permite a aposentadoria para essa parcela expulsa do mercado desde que: a) a soma do tempo de contribuição com a idade em que é solicitada a aposentadoria atinja no mínimo 85 anos para as mulheres e 95 anos para os homens ou; b) no caso de não atingir essa soma, mas desde que tenha contribuído no mínimo 30 anos as mulheres e 35 anos os homens, a aposentadoria sofre desconto pelo fator previdenciário.

O excesso de desonerações na quota patronal concedidos pelo governo Dilma deu duro golpe na receita previdenciária, o que ampliou o déficit. Há que reverter isso e buscar novas receitas, como: a) acabar com a forte regressividade imposta pelo limite de contribuição para os salários acima do teto previdenciário; b) estabelecer contribuição para a atividade rural, praticamente inexistente. É preciso aprimorar a gestão, reduzindo a elevada inadimplência e sonegação, coibir desvios e acabar com privilégios injustificados, como acúmulos de pensões e aposentadorias. São dezenas de bilhões de reais perdidos.

A ameaça propalada pelo governo de que ou sai esta reforma ou não haverá dinheiro no futuro para pagar a aposentadoria deve ser confrontada com a transparência das projeções, onde devem ser apresentadas à sociedade as premissas e memórias de cálculo usadas, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse é o primeiro passo de um debate de alto nível.

OESP: 11/09/2016.

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Amir Khair. Mestre em Finanças Públicas pela FGV/SP. É Consultor.

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