Em Análises e Reflexões, Destaques

Por Fernando Nogueira da Costa

No artigo “Reflexões sobre o Novo Desenvolvimentismo e o Desenvolvimentismo Clássico” (Revista de Economia Política, vol. 36, nº 2 (143), pp. 237-265, abril-junho/2016), Luiz Carlos Bresser-Pereira, inicialmente, distingue o seu Novo Desenvolvimentismo, como um novo sistema teórico que está em criação, do Desenvolvimentismo Realmente Existente, que foi responsável pelo desenvolvimento original de muitos países, mas muitas vezes é apenas uma forma de populismo fiscal ou keynesianismo vulgar. Segundo, distingue o Desenvolvimentismo Clássico, que o precedeu. Terceiro, brevemente analisa o chamado “Social-Desenvolvimentismo” e nada vê ali que se aproxime de uma teoria. Finalmente, o artigo fornece um resumo do Novo Desenvolvimentismo – seus principais argumentos no campo da economia política, da teoria econômica e da política econômica.

De cara, por esse breve resumo, o leitor se recorda daquele dito popular entre os intelectuais militantes: “a esquerda brasileira se une quanto aos princípios ideológicos, mas se divide quanto aos meios para se alcançar esses fins: uma sociedade mais igualitária”. É tipo “estamos de acordo quanto à estratégia, mas discordamos radicalmente quanto à tática” …

Estão no campo da esquerda todos aqueles que defendem os princípios republicanos de igualdade, fraternidade e liberdade. A direita parte do princípio que os indivíduos são (e sempre serão) desiguais por natureza, isto é, pela definição de suas particularidades insuperáveis. Os liberais, na verdade, aceitam a implementação de políticas públicas na área de educação para compensar diferenças com “cotas” e buscar a igualdade de oportunidades.

Enquanto a esquerda acha que a solidariedade e/ou o altruísmo, buscando o que há de comum entre os seres humanos, é o melhor caminho social, a direita defende que a competitividade e o individualismo, aceitando o egoísmo inerente aos humanos, levariam ao “melhor dos mundos”: o dos vencedores. Aplaca sua (má) consciência com a defesa da educação pública massiva para os mais pobres. Mas não aceita a busca esquerdista de igualdade de resultados com a tributação progressiva de renda e riqueza superiores, inclusive com impostos sobre doações ou heranças.

Aceitando que ambas correntes de pensamento econômico brasileiro – novo-desenvolvimentismo e social-desenvolvimentismo – são uma tentativa de reprodução do Estado de Bem-Estar Social europeu em terras tropicais, elas herdam o reformismo da socialdemocracia europeia como referência de política possível dentro dos parâmetros de uma democracia ocidental. Nesse sentido, afastam-se da extrema-esquerda quanto à possibilidade de uma revolução, dirigida por uma vanguarda descolada das massas populares, possibilitar alcançar de imediato o socialismo realmente existente (SOREX), contrapondo à essa democracia liberal-burguesa uma pressuposta “ditadura do proletariado”. Infelizmente, o marxismo-leninista levou ao totalitarismo estatal que os socialistas democratas abominam.

A direita usou (e abusou de) essa referência histórica do SOREX soviético para reprimir todos os simpatizantes do socialismo utópico – uma crítica ao mercado deficiente existente (MERDEX) –, classificando-os como ameaçadores “comunistas”. Daí a postura democrática em favor dos direitos e deveres da cidadania tem de ser explicitada como o pacto de convivência em uma sociedade antagônica, onde a maximização dos lucros capitalistas ocorre através da minimização dos custos salariais e gastos sociais com trabalhadores formais e informais.

No início do século XXI, o grande desafio da cidadania é findar com a distinção entre a cidadania forma e a real (ou substantiva) e ampliar-se com a conquista de direitos econômicos referentes ao salário mínimo, à estabilidade no emprego, ao acesso à bancos e crédito (cidadania financeira), à aposentadoria digna, à tributação progressiva, etc.

Nessa área, a direita neoliberal resiste mais em ceder, pois sua ideologia coloca, acima de tudo, “a liberdade das forças de O Mercado”. A esquerda contemporânea busca colocar travas institucionais na exploração dos mais poderosos sobre os menos poderosos. Isso sem impedir, pelo contrário, defendendo a concorrência.

Em sua disputa por convencimento de seguidores para o novo-desenvolvimentismo, Bresser-Pereira diz que não vê como a busca de um meio termo entre a corrente de pensamento, que ele se apresenta como fundador, e a corrente denominada social-desenvolvimentismo possa ser feito, “porque esse social-desenvolvimentismo não possui arcabouço teórico concorrente”.

Evidentemente, como ponto-de-partida para um debate intelectual profícuo, essa é uma postura arrogante – típica de quem é soberbo, presunçoso, insolente, mal-educado, atrevido – e não condizente com o conhecido cavalheirismo de Bresser-Pereira. Ele demonstra ressentimento pelo suposto não reconhecimento alheio. “O social-desenvolvimentismo ignorou os modelos e as propostas políticas do Novo Desenvolvimentismo, mas não foi capaz de desenvolver novos modelos. Para ser uma alternativa ao Novo Desenvolvimentismo, o social-desenvolvimentismo também deveria ter um corpo de conhecimento teórico novo e relativamente sistemático, mas ficou prisioneiro de uma versão vulgar do keynesianismo ou de uma versão populista do Desenvolvimentismo Clássico, principalmente porque seus defensores foram incapazes de criticar o populismo cambial e o populismo fiscal que acabou por levar a experiência desenvolvimentista de 2003 a 2014 no Brasil a fracassar. Mostraram (…) forte viés em prol do consumo imediato.”

Curiosamente, a chamada Nova Matriz Macroeconômica foi implementada por Guido Mantega (ex-Ministro da Fazenda), Professor Licenciado da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV), e Márcio Holland (ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda), Professor Associado da Escola de Economia de São Paulo (EESP-FGV), embora este possua doutorado em Economia pela Unicamp e pós doutorado pela University of California at Berkeley. Ninguém é perfeito. Mas não se pode imputar aquela política econômica de curto prazo, implementada por esses professores da escola de Bresser-Pereira, ao social-desenvolvimentismo.

Cidadania e Cultura [https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/]: 30/08/2016.

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Fernando Nogueira da Costa. Economista. Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp.

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