Em Conjuntura Internacional, Destaques

Paralelamente à decisão de recorrer a parte das colossais reservas de divisas do país para criar instituições internacionais de crédito, em desafio ao enferrujado sistema de Bretton Woods (cf. a coluna de 02.04.15), o governo da China está botando em marcha planos para trazer de volta, de forma ampliada e atualizada, a vinculação comercial do Leste Asiático com a Europa, que floresceu nos primeiros séculos da Era Cristã e ficou historicamente conhecida como a Rota da Seda. Como de esperar, foi o Presidente Xi Jinping que ressuscitou a ideia, em setembro de 2013, num discurso no Cazaquistão durante giro pelos países da antiga Ásia Central soviética. É interessante lembrar que a proposta de Xi, de criação de um Cinturão Econômico Rota da Seda, proposta hoje muito solidificada no contexto do jogo estratégico China-EUA, teve naquela ocasião um forte conteúdo de rivalidade com a Rússia. Pequim vinha acompanhando a movimentação de Moscou com vistas à criação da União Eurasiana, num formato que excluiria a China, e a grande laçada da Rota da Seda, desdobrando-se por três continentes, absorveria a iniciativa russa. Não terá sido por acaso que a proposta de Xi foi formulada em terras da Organização Estratégica de Xangai.

Xi formalizou sua proposta para o relançamento da Rota da Seda por ocasião da cúpula da APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation), realizada em Pequim em novembro de 2014. Nas sessões anuais da APEC discutem-se, tradicionalmente, questões ligadas a comércio e investimentos entre os membros da associação, e havia em Washington a expectativa de ver a Parceria TransPacífica, um acordo regional de livre comércio em processo de montagem pelos EUA com exclusão da China, triunfar em Pequim sobre o projeto alternativo chinês de uma Área de Livre Comércio da Ásia-Pacífico. Mas a China, responsável pela agenda da cúpula, deu-lhe o propósito de discutir a “conectividade regional pelos próximos dez anos”, e a verdadeira resposta de Pequim ao projeto americano da PTP veio na sessão de oito de novembro, em que Xi anunciou a criação de um fundo chinês de US$16.3 bilhões para financiar a construção e expansão de ferrovias, rodovias, oleodutos e congêneres, que “rompam os gargalos de conectividade”, nos países cobertos pela nova Rota da Seda, já agora desdobrada em dois percursos: o Cinturão Econômico terrestre e a Rota da Seda Marítima do Século 21; esta última proposta por Xi em Jacarta, em outubro de 2013.

A implementação dessas duas visões, que no dia a dia chinês passaram a ser chamadas, simplificadamente, “Um Cinturão, Uma Estrada”, vem tomando impulso. Em março de 2015, a Foreign Affairs circulou um artigo de Jacob Stokes, pondo em relevo duas grandes ordens de benefícios almejados pela China com a implementação de “Um Cinturão, Uma Estrada”. No plano interno, os projetos ajudarão no desenvolvimento das regiões atrasadas do centro e do oeste do país, abrindo escoadouros para o excesso de capacidade industrial e ajudando na criação de empregos. No plano externo, aumentarão as oportunidades para melhorar as relações da China com seus vizinhos e, de um modo geral, com os grandes países em desenvolvimento da Ásia, África e, mesmo, da América Latina. O que o Embaixador Sérgio Amaral tem chamado “a geopolítica da infraestrutura”. Ou seja, usar “Um Cinturão, Uma Estrada” para transformar cooperação econômica em influência política. Pequim vai ter de bem gerenciar seus desejos diante dos planos da Rússia no tocante à Eurásia; da Índia, competidora nas aspirações à liderança asiática; dos países do Mar da China Meridional e do Oceano Índico, nem todos favoráveis à expansão chinesa; do equilíbrio, por fim, entre uma antiga cooperação com o Irã e as novas exigências do relacionamento com os sunitas do Golfo Pérsico e seu petróleo.

Muito haverá ainda a escrever sobre todo esse assunto. Para encerrar este primeiro contacto, darei dois exemplos de iniciativas já em marcha, com vistas a superar os “gargalos de conectividade”. Em setembro de 2014, o governo chinês fundou a cidade de Horgos, num remoto vale na fronteira entre a China e o Cazaquistão que foi ponto de trânsito na velha Rota da Seda. É uma área que abriga várias vilas e povoados, com um total no momento de 85 mil habitantes. Os planos são transformar Horgos num dos centros nodais que pontuarão as redes de ferrovias, rodovias e dutos para petróleo e gás, ao longo do “Cinturão”. Outro “gargalo” já atacado é o “corredor paquistanês”: a construção de vínculos entre o porto de Gwadar, no Oceano Índico, e o interior da China. Gwadar será uma importante escala na “Estrada”, ou seja, a Rota da Seda Marítima. Na segunda quinzena de abril de 2015, Xi Jinping visitou oficialmente o Paquistão, assinando ajustes num total de 46 bilhões de dólares, na maior parte destinados à infraestrura de vinculação com a China.


Créditos de imagem: bu.edu

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