Em Destaques, Música

Qual teria sido a primeira manifestação artística do homo sapiens? Lascaux ou a canção de ninar? Arqueólogos e antropólogos igualmente, certamente não estão de acordo sobre este ponto, como aliás nunca o estão sobre qualquer outro aspecto de suas respectivas especialidades. E neste caso escultura e pintura têm uma enorme vantagem sobre a música, pois esta dependeu inicialmente de uma imprecisa tradição oral que só veio a ser substituída por escrita em meio da idade média. Insipiente escrita grega depende de interpretação ainda duvidosa. Na figura abaixo mostramos uma escultura de hominídeo (divindade?) atribuída à cultura Hongshan de 4.800-4.000 AC (Alto Neolítico, Nordeste da China). A pedra, o Jade em particular, assim como a parede de cavernas e logo depois o barro, oferecem ao artista plástico  primordial, material para preservação de sua arte, enquanto a música não contou com outro meio senão a memória coletiva. Todavia, a observação de culturas variadas mostra definitivamente que a música deve ter acompanhado a humanidade desde seus primórdios.

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Nasce, pois a canção com o cantarolar da mãe ao aninhar o bebê em seus seios para fazê-lo dormir. A canção, uma voz humana acompanhada de um único instrumento, foi certamente o começo. Mas o que é espantoso é que esta forma elementar de música tenha atravessado os séculos desde os inícios da música até os nossos dias. A canção imperou na idade média. Já no século XII os trovadores (sul da França, em Provençal), poetas-músicos, cantavam o amor, a alegria de viver, espalhando-se pela Europa (são cerca de 600 canções). Na Espanha os cantos de Santa, recolhidos por Alfonso X, o Sábio (400 aproximadamente). Um pouco mais tarde serão os “trouveres” no norte da França, cerca de 1200 canções (em Francês e Minnesänger na Alemanha). Com o renascimento exacerbou-se o uso da polifonia, desapareceram os cantores poetas, mas a canção sobrevive e os mesmos cultores do contraponto se encarregaram de manter viva a tradição da canção homofônica, tanto na França como na Itália e agora com a rica contribuição da Inglaterra. A canção perde um pouco o élan durante o Barroco, exceto na Inglaterra e na Itália. E na Alemanha, apesar da atenção que Haydn e Mozart lhe dão discretamente, é somente no Romantismo que ela virá a alcançar o prestígio que teve na Idade Média. Talvez porque durante o Romantismo volte o amor a ser o centro do Universo. Nenhum compositor alemão deste período, Beethoven, Mendelssohn, Schumann, Brahms deixou de compor canções. E na França, na Espanha, na Inglaterra e na Rússia, inclusive, a canção voltou a imperar. Mas o maior de todos os compositores deste género sutil foi sem dúvida Schubert, com cerca de 700 composições que cabem em 40 CDs na impecável edição de Graham Johnson. Fischer-Dieskau, para muitos o maior barítono de todos os tempos, gravou mais da metade dessas canções em 22 CDs. E não houve cantor de qualidade que não tivesse gravado alguns dos “Lieder” de Schubert (Lied, plural Lieder, é o vocábulo alemão para canção).

Neste momento estão sendo editadas pelo menos três séries. A minha preferida é a do barítono Werner Güra com 4 volumes já publicados, embora aquela de Matthias Goerne, barítono, seja também excelente (8 volumes publicados). Se no entanto o leitor preferir um tenor a série atualmente sendo editada com Pregardien é igualmente recomendável.

Para os iniciantes sugiro que comecem com um dos dois ciclos de Schubert “Winterreise” (Viagem de Inverno) ou “Die Schöne Mullerin” (A bela moleira).

O domínio absoluto de Schubert neste campo se deve, por certo, à espontaneidade que é seu apanágio. E a qualidade dessa sua música é comprovada pelas inúmeras transcrições de seus contemporâneos e sucessores. Exemplos ilustres são Mendelssohn, Liszt, Schumann, etc.


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http://www.youtube.com/watch?v=c8UDOmUcxCk&hd=1

 

 

Créditos de imagem: wagnerdallas.com

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