Em Cinema, Destaques

Nos últimos dez anos, mais de mil filmes foram produzidos no Brasil. Desde a Retomada (1994) até hoje, esse número pode chegar a 1300 filmes. De todos esses filmes, mais de 90% são irrelevantes. O que é ser um filme irrelevante?

Há algum tempo atrás, Eduardo Escorel chamou de irrelevantes filmes que não contribuem em nada para o espectador e para o cinema, em termos de conteúdo, de linguagem, enfim, como cinema. São filmes que podem, de modo geral,  ser vistos como entretenimento, mas que são totalmente esquecíveis para o espectador. Aqueles que em uma semana, um dia ou algumas horas, nem lembramos mais de ter visto.  São as comédias vagamente eróticas, com gags grosseiras, que imitam os programas de TV e que tem ficado conhecidas como globochanchadas. Mas são também filmes que não se pretendem comédias, mas cuja estrutura e tratamento são tão previsíveis que não se distinguem praticamente da dramaturgia televisiva. São até filmes realizados por diretores mais sérios, que pretendem fazer filmes autorais, mas que obedecem tão de perto a uma dramaturgia vulgarizada pelo cinema americano e pela TV, filmam roteiros feitos de acordo com as cartilhas, fazem tudo tão “certinho” que os filmes carecem de personalidade e arrojo. São filmes que não dizem nada além da “historinha” que contam.

É claro que esses filmes são necessários para uma cinematografia que se pretenda industrial e sustentável. Porque eles geram renda, eles ocupam e treinam os técnicos, eles dão emprego para os atores. Por exemplo, no período áureo do cinema italiano, ao lado da produção dos grandes mestres havia uma torrente de chanchadas e filmes menores. Aqui ficamos conhecendo só os bons filmes das cinematografias estrangeiras (com exceção da americana, que despeja em nossos cinemas todo o lixo produzido pelos estúdios). Assim é na França, na Argentina, no México e em tantos países cujas cinematografias são admiradas pelos nossos críticos e pela platéia brasileira mais exigente. Mas, aqui entre nós, a produção dos bons filmes é travada pelas políticas de incentivo ao cinema, que se volta, preferencialmente, para o que é “comercial”.

É preciso notar que a imensa maioria dos filmes irrelevantes, sem contar os absurdos teatrais das comédias, se pauta por um realismo pobre, parente próximo da dramaturgia televisiva, pouco inventivo e tolhido pelas regras estritas dos roteiros “certinhos”. Os bons filmes são aqueles que conseguem escapar dessa mesmice através da invenção no roteiro e na direção, que conseguem tratar criativamente temas que carregam uma visão do país e que interessam em profundidade as pessoas, tanto pelo conteúdo quanto pela proposta estética. Que conseguem superar a pobreza desse “realismo” através de formas de narrar que levam o espectador a perceber, entender  e se emocionar com bem mais do que está na superfície da narrativa. E que, nem por isso, precisam ser difíceis ou intragáveis para o público. Filmes, enfim, como “Cidade de Deus”, os dois “Tropa de Elite” e, mesmo, filmes mais modestos e intimistas como “Hoje” (da Tata Amaral) ou como o “Hoje eu quero voltar sozinho”.

Mas precisamos notar que grande parte dos filmes que se afirmam como trabalhos importantes tem sido alguns daqueles produzidos pelo cinema pernambucano. Filmes que parecem ter encontrado como saída, um “realismo exacerbado” e que, por essa exacerbação, ultrapassam a superfície do banal e conseguem ser relevantes para o público e para o cinema brasileiro. Filmes como “Amarelo Manga”, “Árido Movie”, “Baixio das Bestas”, “A Febre do Rato” e o pioneiro e já clássico “Baile Perfumado”. E, sobretudo, “O Som ao Redor”, talvez um dos melhores filmes de todo o período da retomada e que consegue brilhantemente fazer com que vejamos muito além da história que conta.


Créditos de imagem: pragmatismopolitico.com.br

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