Em Destaques

Por Frances Stead e David A.

“Em novembro de 2015, Stephen Bannon — então presidente da “Breitbart News” — apresentava um programa de rádio e entrevistava o congressista republicano Ryan Zinke, que se opunha ao plano do presidente Barack Obama de abrigar refugiados sírios nos EUA. “Precisamos suspender a chegada de refugiados até que possamos analisá-los”, afirmou Zinke. Bannon o interrompeu: — ‘Por que deixá-los entrar?’ 

Bannon argumentou que a análise de refugiados custaria tempo e dinheiro, que poderiam ser investidos no país, e sugeriu uma interrupção na aceitação de imigrantes do Oriente Médio por alguns anos.

As declarações de Bannon anteriores à sua transformação em estrategista chefe da Casa Branca servem como um mapa para a polêmica agenda que obscureceu Washington e agitou a ordem global durante as duas primeiras semanas de Donald Trump na Presidência. Agora, no centro do poder, Bannon está rapidamente transformando suas ideias em políticas: a retirada do país de um enorme acordo comercial, o veto (revogado) à entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana e — seguindo a posição expressada em sua conversa com Zinke, agora indicado para a secretaria do Interior — uma proibição temporária na aceitação de novos refugiados.

Esta visão de mundo, expressada em entrevistas e discursos, apoia-se imensamente na crença de Bannon na “soberania” americana. Ele diz que países devem proteger seus cidadãos e sua essência reduzindo a imigração — legal e ilegal — e abandonando acordos multinacionais. Ao mesmo tempo, ele demonstrava preocupação com a ideia de que os EUA e o “Ocidente judaico-cristão” entrassem em guerra contra uma ideologia islâmica expansionista, mas que a estavam perdendo por não compreenderem o que combatiam. Bannon afirmou que esta luta era tão importante que valeria a pena passar por cima de diferenças e rivalidade com países como a Rússia.

CAOS ADMINISTRATIVO

Ainda não está claro como ele colocará sua agenda em prática. Suas movimentações políticas iniciais foram marcadas por caos administrativo. Mas sua visão de mundo pede mudanças maiores do que as já feitas.

Ex-oficial da Marinha e banqueiro do Goldman Sachs, Bannon tornou-se um dos homens mais poderosos dos EUA. E não tem medo de assumir isso.

— ‘Dick Cheney. Darth Vader. Satã. Isso é poder’ — afirmou o estrategista chefe ao “Hollywood Reporter”, abraçando associações com esses nomes, e comparando-se a um poderoso assessor de Henrique VIII que ajudou a separar a Igreja Anglicana da Católica. — ‘Sou Thomas Cromwell na corte dos Tudor’.

Em declarações públicas, Bannon levantou uma ideia que Trump posteriormente transformaria no principal pilar de sua campanha: culpou os dois principais partidos políticos do país pela crise financeira de 2008 e buscou emplacar suas ideias junto a uma pouco disposta liderança republicana. O que ele queria, e repetiu muitas e muitas vezes, era “soberania” para os EUA e seus tradicionais aliados na Europa Ocidental. Em um dos primeiros programas na Breitbart Radio, elogiou o movimento britânico que buscava a saída da União Europeia, afirmando que o Reino Unido havia se juntado a uma federação comercial que se transformara em uma força que roubara a soberania da população britânica “em todos os aspectos importantes da vida”.

Bannon defendeu movimentos semelhantes de secessão na Europa, e Trump refletiu esses sentimentos em seus primeiros dias como presidente. É uma incrível mudança na política americana: após décadas construindo alianças multinacionais como garantia de paz, agora a Casa Branca indicou que pode sabotá-las.

— ‘Acredito que países fortes e movimentos nacionalistas fortes formam vizinhos fortes’ — afirmou em um discurso no Vaticano em 2014. — E esses são os alicerces que construíram a Europa Ocidental e os EUA, e acho que é o que nos pode fazer avançar.

No caso dos EUA, Bannon acredita que acordos comerciais multinacionais entregam o controle do país, e em uma entrevista em 2015, o senador Jeff Sessions concordou com ele.

— ‘Não deveríamos nos amarrar como Gulliver na terra dos Liliputianos, incapazes de nos mover’ — afirmou Sessions, que agora é o indicado de Trump para o cargo de procurador-geral. — ‘É para onde estamos indo e não é algo necessário’.

Bannon afirmou que restaurar a soberania significaria reduzir a imigração, e criticou programas de vistos que permitem que companhias americanas preencham posições técnicas com estrangeiros.

— ‘As escolas de engenharia estão repletas de asiáticos. Eles vêm aqui pegar os empregos. Estudantes americanos não conseguem entrar nas universidades e obter o diplomas porque estão repletas de estrangeiros. Não temos um problema com a imigração legal? Vinte por cento do país é formado por imigrantes. Não é este o coração do problema?

Este foi um dos raros temas em que Trump rebateu suas ideias.

— ‘Ainda quero que as pessoas venham’ — afirmou o agora presidente, em 2015. — ‘Mas quero que passem pelo processo legal’.

Até agora Trump não fez mudanças no programa de vistos para imigrantes qualificados, mas nesta semana, seu secretário de Imprensa, Sean Spicer, afirmou que o governo pode reexaminar o programa.

Mesmo pregando uma retirada total das alianças multinacionais, ele alertou para a necessidade de uma nova coalizão, para um seleto grupo de países.

— ‘Há uma guerra vindo aí, uma guerra que já é global’ — afirmou Bannon no Vaticano em 2014, quando o Estado islâmico ganhava território. — ‘Todo dia em que nos recusarmos a enxergá-la como ela é, em toda sua dimensão e maldade, será um dia em que nos arrependeremos de não ter agido’.

Se Bannon conseguir fazer com que EUA e Rússia esqueçam suas diferenças para se concentrar numa ameaça em comum, sua comparação com Cromwell fará sentido — até certo ponto.

— ‘A analogia, se é que ela funcionará, é que Bannon tem sua própria agenda, para a qual usará Trump, e explorará o poder que o presidente lhe deu, sem que seu mestre perceba’ — diz Diarmaid MacCulloch, professor de História da Universidade de Oxford.

Mas Cromwell foi executado depois que Henrique VIII se voltou contra ele. Para homens assim, diz MacCulloch, o poder é sempre tênue.

— Depende muito da boa vontade do rei.

O Globo:05/02/2017

Frances Stead Seller. Escritora e Jornalista. David A.  Fahrentholds. Jornalista.

Facebooktwitter