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Machaut e a polifonia francesa medieval

Novamente prolongamos o século 14 até 1420. Guillaume de Machaut está para a música francesa desse período assim como Landini está para o “trecento” italiano. São quatro manuscritos inteiramente dedicados a Machaut. Cerca de 50 autores se encontram espalhados em outros cinco grandes manuscritos e vários fragmentos. Todavia a maioria com apenas uma ou duas obras. O mais completo dos documentos está em Nova York, nas galerias Wildenstein, assim como lá estão outros dois. Os mais citados códices são, na França, o de Chantilly e o de Estrasburgo. Entretanto os mais amplos manuscritos são os códices de Cyprus, de Modena e de Ivrea, que estão na Itália. Somam-se 550 composições “únicas”, além das 228 do Cyprus, também únicas, mas de qualidade duvidosa. Além das composições polifônicas de Machaut, contidas nas 550 mencionadas acima, devemos adicionar 43 monofônicas. Ao todo Machaut nos deixa 143 composições (inclusive sua famosa “Messe de Notre Dame”). Ou seja, um quarto da música francesa do século 14, em extensão, ou um quinto em número de obras. Esse legado, incluída a surpreendente contribuição cipriota, ocuparia não mais que 50 CDs.

Worcester e a polifonia inglesa dos séculos 12 ao 14

De um total de aproximadamente 250 obras da polifonia inglesa medieval, cerca de cem são encontradas em um enorme conjunto de fragmentos que, com certeza, se referem a um único centro de atividade musical, Worcester, que misteriosamente declina em meados do século 14. Todas essas composições são anônimas. Em realidade a música medieval inglesa é bem escassa e tardia em seus desenvolvimentos técnicos até o início do Renascimento, quando aflora o gênio de Dunstable (1390-1453). Não seriam necessários mais que 15 CDs para gravar toda a música da Inglaterra do século 14 que chegou aos nossos dias. Se combinarmos a obra vocal subsistente de Vivaldi com a instrumental de Haendel, que não foram até agora consideradas, teremos a mesma extensão (95 CDs) que toda a música polifônica medieval em toda a Europa.

Em conclusão, o agregado da música ocidental produzida desde seus primórdios, no século 4º ou 5º, até inícios do Renascimento, em torno de 1420, e que foi preservada é quantitativamente comparável àquela composta por apenas três músicos do barroco, de uma mesma geração. Nasceram Bach e Haendel em 1685, e Vivaldi, em 1678. De fato, escolhemos três compositores especialmente férteis, mas não são os únicos com essa característica em sua época.

Muitas são as razões para essa escassez aparente ou real, de música, durante a Idade Média, embora insuficientes para justificar a exiguidade aqui verificada. É bom lembrar que à época do nascimento de Bach, Haendel e Vivaldi a população da Europa não era senão 20% superior àquela de 1300. Esse, portanto, não é um fator significativo. Em primeiro lugar, devemos considerar a precariedade da notação musical. Em segundo, a inexistência de impressoras. Escribas eram dispendiosos, principalmente aqueles afeitos às escritas musicais.

Em seguida, o rígido controle exercido pela igreja, que, se por um lado via na música um incentivo para a reza e um hipnótico calmante para amenizar a monótona vida monástica, por outro a considerava uma perigosa sedutora, induzindo, inclusive, à dança, o que estava muito próximo do diabo e da perdição. Também houve, por certo, uma perda com o extravio ou destruição de manuscritos, mas esse fator não pode ser muito importante, o que pode ser deduzido da existência de uma significativa redundância, algumas obras sendo encontradas, por vezes, repetidas em dezenas de manuscritos. Aqui fica, pois, mais um mistério dos muitos que envolvem a história da música.

Machaut

Messe de Notre Dame

(abbaye de Thoronet, Ens. G. Binchois, dir. D. Vellard).avi

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https://www.youtube.com/watch?v=11A4wqv8_wo

Créditos de imagem: geograph.org.uk


Artigo publicado originalmente no jornal FSP de 05/08/2001.

          

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