Em Destaques, Economia

Muitos consideram uma heresia ler um autor que haja escrito há vinte anos. Que dirá que houvesse escrito há cem ou duzentos anos? No entanto, as verdades que expressam conhecimento histórico acumulado, as chamadas historidades, alumiam o futuro a se conquistar, mesmo que hajam sido evitadas à época em que foram elaboradas. Os homens não se tornam mais sábios por serem contemporâneos, apenas podem se ensaboar mais – com a abundância de sabão – e tornar-se mais escorregadios. Já dizia Moreno que a modernidade permitiu a multiplicidade de papéis, com o mesmo a brilhar aqui como Pedro e ali como João. Mussolini, que tocava e ouvia jazz no porão blindado de sua casa, era para o consumo público um feroz ultranacionalista e racista da moda de seu tempo. Qual dos Mussolinis era verdadeiro? Talvez hoje isso já nada pesa.

Mas pesa, sim, a perenidade de palavras de gente competente e reflexiva, o sábio verdadeiro, como o velho Jorge Frederico List (1789 – 1849). Ele nos ensinou que o fraco só pode enfrentar o forte, lançando mão de alguma proteção para si mesmo. Entre as nações, aquelas poucas que preconizavam a abertura completa de mercado, só o faziam quanto e enquanto foram dominantes, como a Inglaterra. Ninguém pode lutar sem proteger-se e entregar-se sem lutas às estratégias alheias conduz sem dúvida à pior escravidão. Os “tigres asiáticos” seguiram-lhe as indicação. Parece que não se deram de todo mal. Protegeram suas indústrias e jamais tiveram um “déficit primário” para garantir ninguém.

Se não há compradores, é lógico que se financie o consumo. É menos lógico que se dê cortes de impostos para produtores oligopolistas, porque esses passarão o mínimo possível de tais cortes para os consumidores. Já nem é lógico buscar-se ampliar o consumo na rampa descendente da economia, quando os bens consumidos são produtos de importação e não da criação ou manutenção de empregos produtivos domésticos. Imagine então se a política cambial estiver controlada desde fora por interesses de especuladores de curto prazo. É como tentar encher uma caixa d’água cheia de furos por todos os lados. Algo parecido com a nossa secretaria de águas: desperdiça água, não testa a mesma com resíduos, mas quer ir buscar mais, desta feita no rio Paraíba do Sul.

Não importa quanto “capital estrangeiro” ingresse no país, sempre haverá de faltar mais capital, quando seu “ingresso” se constitui simples manobra para esvaziar o “poço sem fim” da economia local. Enquanto a dívida pública for estimulada pela prática de déficit primário, o financiamento do consumo também há de contribuir para o desequilíbrio da balança comercial e fará “assistências” para o caos na conta de capitais do balanço. Tudo isto não previsto pela teoria corrente, mas obviamente correlacionado com a estratégia óbvia dominante de (1) elevar os juros, (2) garantir o déficit primário e (3) maximizar os ganhos do capital externo. É natural, portanto, que também o capital local tire um “passaporte” e faça viagens, para aproveitar-se como capital externo.

Uma tática importante dos saqueadores externos é garantir em perpétuo movimento o entra-e-sai dos capitais de curto prazo. O movimento destes atua como uma vaselina no câmbio flutuante, permitindo transferir para o nível nominal de preços local os impactos de saída (altamente remuneradas pela lacuna cambial) do capital de curto prazo. Dessa maneira é que se amarra o nível da taxa de juros com os preços internos, gerando ou reforçando o impacto inflacionário, que serve de cabresto para eventuais projetos domésticos.

Ou seja, para que as políticas expansionistas do governo tivessem o efeito desejado, seria necessário a existência de controles de saída na bagunçada conta de capitais, coisa que se fala seja necessária há mais e uma década. Na prática, porém, nada de favorável acontece. Do ponto de vista prático, o que seria a capacidade adicional de investimento do governo fica preservado para os credores, no lugar de ser investido produtivamente. Esta opção política esquece que tais credores já veem sendo remunerados desde o passado e precisam fazer novos investimentos que justificassem o nível de remuneração que obtém. Uma economia que encolhe em termos relativos não pode oferecer ganhos crescentes sobre empréstimos passados. Não é só o governo que precisa “se mexer”. Na verdade, só as máquinas, produzindo, podem se constituir numa fonte perpétua de lucros. Isso não entendem os acólitos do capital financeiro. O lucro no longo prazo é determinado pelo consumo da produção industrial. Para tal, a produção precisa ser interna

Créditos de imagem: orthocuban.com

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