Especialistas costumam dividir a arte de fundição do Bronze na China em dois períodos: o primeiro denominado Idade Clássica do Bronze (“Great Bronze Age”) e Época Tardia do Bronze (“Late Bronze Age”). A primeira inicia-se logo após o Neolítico Chinês e compreende as dinastias Shang (1600 – 1046 AC) e Zhou (1046 – 256 AC), sendo este último período dividido em dois outros: Zhou do Oeste e Zhou do Leste, que por sua vez se reparte nos períodos Primavera – Outono (1046 – 771 AC) e Estados Guerreiros (475 – 221 BC). “Scholars” chineses procuram incluir a Dinastia Han (206 BC – 200 AC) neste período Glorioso (talvez porque os chineses de hoje se dizem descendentes dos Han), proposta que, como veremos, é insatisfatória. O período dito do Bronze Tardio se estende da Dinastia Song (960 – 1270 DC) até Qing (1644 – 1911 AD). Há, portanto, um hiato que vai do fim do período dos Estados Guerreiros, 221 DC, até o início da Dinastia Song (960 DC), em que o bronze foi abandonado como principal matéria prima para a produção de artefatos cerimoniais, ou seja, um período de 1181 anos, aproximadamente a mesma duração da Idade Média do mundo ocidental. Este fato levou alguns especialistas a sugerirem uma analogia entre era clássica greco-romana – idade média – renascimento do ocidente, de um lado e de outro, Idade do Bronze Clássica – hiato entre Dinastias Zhou e Song – Época do Bronze Tardio.
Há por certo muitas coincidências que sugerem esta Analogia. Mas, comecemos do começo, de maneira concreta, com exemplos reais.
O Bronze apresentado na Fig.1 é do apogeu da era do Bronze Clássico, ou seja, Dinastia Shang. Um vaso com adornos derivados de formas de Coruja e de Taotie (Taotie é um personagem mítico monstruoso que habita a arte chinesa desde o neolítico e cuja origem é desconhecida). É notável o intrincado adorno conseguido em quase todo o exterior do vaso (hu), e isto unicamente em uma fundição unitária (somente as alças laterais foram adicionadas). Eis por que muitos especialistas afirmam que a tecnologia mundial de fundição do Bronze alcançou seu apogeu na China e durante a Dinastia Shang.
Os Bronzes Chineses deste período são puramente ornamentais e de uso cerimonial. Com frequência acompanhavam seus proprietários em seus jazigos. Eis por que chegaram aos nossos dias quase sempre em bom estado de conservação.
A Fig. 2 apresenta mais um exemplo de Bronze da era Clássica, desta vez, porém, do final dessa era, antes de sua decadência. É novamente um vasilhame. Enquanto aquele da Fig. 1 era supostamente destinado a bebidas (hu) este o é para alimentos (Ting). É claro que essas atribuições são meramente ideais, pois não eram utilizados para qualquer função prática.
A Fig. 3 mostra um incensário claramente em estilo da dinastia Han (identificação realizada por entidade ligada à Universidade de Oxford. Questões de estilo, elementos constituintes do Bronze à época, análise química da pátina, etc. foram usados na avaliação). Notem-se as dimensões modestas, a leveza do incensário, se comparados com as características de volumes maciços e abundantes ornamentações daqueles artefatos da dinastia Shang. Dificilmente se associariam estas características do período Han àquelas da época clássica do Bronze. Foi durante a Dinastia Han que se estabeleceu a Rota da Seda, que trouxe para a China não somente o Budismo e toda sua tradição de expressão artística, como também novos estilos e técnicas aplicáveis as artes, especialmente aquelas relativas à produção de objetos de prata e ouro. Foi também nesta época que o vidro e a cerâmica alcançaram uma certa maturidade tecnológica na China. Não houve, portanto, nenhum vazio artístico a partir da Dinastia Han, mas apenas uma substituição de tecnologias dominantes, a prata e o ouro pelo bronze, a cerâmica pelo jade. É claro que estas mudanças são apenas parciais. É bom lembrar que o início da confecção de objetos com jade (Nefrite) na China data do neolítico.
O Cristianismo invade Roma pelas mãos do Imperador Constantino, em começos do século V instalando a Idade Média. A analogia fácil se faz com a comparação da intrusão do Budismo e o abandono do Bronze Clássico. O contato com o mundo exterior de fato cresceu desde a dinastia Han até a importante dinastia Tang (618 – 907 AD) e apenas com o advento da dinastia Song (960 AD) é que surge um movimento nacionalista e consequente rejeição de estilos estrangeiros. Monges budistas são expulsos, templos budistas são convertidos em espaços destinados a práticas confucionistas. Confúcio é reabilitado, pois seus ensinamentos recorrem à reverência aos anciões, aos cultos dos antepassados. É, portanto, natural que a atenção se voltasse ao período anterior à penetração na China do Budismo e das práticas artesanais importadas. Nasce assim o movimento arcaizante que dominará a Arte Chinesa até inícios do século XX. Todavia, é bom deixar claro que, embora amenizadas, essas técnicas importadas juntamente com o Budismo contaminaram a Arte Chinesa, e foram permanentemente incorporadas às práticas artesanais e artísticas correntes.
Na Fig. 4 está representada uma surpreendente amostra do sincretismo entre a expressão puramente chinesa do Bronze Clássico e o ecletismo transnacional inserido na cultura chinesa pelo fecundo fluxo de ideias proveniente do exterior pela Rota da Seda e a consequente influência da cultura budista. A técnica da incrustação de ouro ou prata com fios, fitas e placas já era corrente durante a Dinastia Zhou, principalmente durante seu último período, ou seja, a dos Estados Guerreiros. Todavia, neste exemplo de finais da Dinastia Yuan, ou começos da Ming, verdadeiros arabescos, extremamente elaborados, incluídos na peça são originários provavelmente da Pérsia. Certamente nada têm a ver com os modestos e discretos adornos do período Zhong. Tanto durante esta dinastia quanto durante toda a era do Bronze Tardio, esculturas de animais, tapires, búfalos, leões, etc. eram usados como neste caso para a confecção de lâmpadas e incensários.
Na próxima figura (5) vemos um exemplo de onde chegou a cultura do Arcaísmo na civilização chinesa. É um vaso característico da Dinastia Qing (a última), que recupera forma e ornamentação do Bronze Clássico, notadamente a inconfundível face do Taotie. Todavia, em vez de uma fundição integrada, foi composta por placas ornamentais, justapostas sobre um corpo independente. Uma técnica que facilita enormemente a produção. Além disso há áreas de gravação a frio. Os fanáticos abominam essas acomodações. A fundição integral continuou existindo, todavia, principalmente para peças menores.
Pois bem, do que vimos, dificilmente poder-se-ia aceitar como inteiramente pertinente a analogia entre o período de decadência da arte do Bronze na dinastia Han e seu ressurgimento já durante a dinastia Song com a idade média europeia, porque na China outras artes igualmente importantes eclodiram durante este mesmo período. Todavia, é fértil essa analogia ao equacionar as duas rupturas e consequentes decadências à introdução das duas novas religiões, budismo de um lado e cristianismo de outro. Podemos apenas imaginar o que aconteceria com a cultura ocidental e suas manifestações artísticas se o protestantismo pentecostal continuar invadindo o mundo ocidental.
Créditos de imagem: metmuseum.org