Em Artes, Destaques

 Em geral dizemos que uma obra é autêntica quando a origem a ela atribuída é comprovada. Assim, se podemos provar que um quadro atribuído a Picasso foi mesmo realizado por ele, então o quadro é considerado autêntico. Com uma cerâmica pré-colombiana, a autenticidade pode ser determinada seja por tecnologias, tais como datação de Carbono 14 (por meio de inclusões ou resíduos de material orgânico), termoluminescência, etc., pois estas produções cessaram antes que falsificadores e imitadores etc., surgissem. Ou, alternativamente, pela comparação com peças autenticadas e identificação de características, tais como estilo, materiais, etc.

Ora, a grande maioria de objetos africanos é feito de madeira, material altamente perecível nas condições de ambiente e uso vigentes na África. As peças encontradas no ocidente ou mesmo na África raramente têm mais que um século de existência. A deterioração da madeira poderia ser um indício. Entretanto, em décadas recentes, técnicas primitivas, mas eficientes, de envelhecimento vêm sendo usadas. Por exemplo, no passado, como estátuas de maior dimensão eram colocadas diretamente no solo, seus pés eram corroídos. Hoje são as imitações colocadas, por tempo curto, sobre termiteiras, com o que se “fabrica” antiguidade e consequentemente autenticidade.

Por outro lado, como consequência do fato de que objetos africanos raramente eram confeccionados apenas como ornamento, mas quase sempre com finalidades rituais e importantes funções religiosas, exige-se que para serem autênticas tenham sido produzidas para estas ocasiões específicas. Alguns especialistas exigem ainda que também tenham sido utilizados nestas ocasiões. Ou seja, para ser considerado autêntico um objeto de arte africana precisa ser feito na região da etnia a ele atribuída, por artista local, para a cerimônia ou outro acontecimento que a tradição determine e que tenha sido usado para este propósito específico. Esta última condição é, obviamente, raramente verificável.

mascara

Kwele Spirit Mask – Gabon

Assim sendo, devido à crescente ocidentalização das etnias africanas e destituição de suas crenças originais ocorridas durante e após o período colonial, quanto mais recente é a obra, menor é o seu provável grau de autenticidade. É claro que é possível encontrar peças produzidas ainda hoje absolutamente autênticas, embora raras, mas na medida em que passa o tempo e a África se moderniza, a arte tradicional africana desaparece. Aliás, é bom saber que jovens artistas africanos vêm produzindo belíssimas esculturas modernas, mas são incapazes de manter as tradições de suas etnias, pois já não vivenciam as experiências existenciais de seus antepassados.

Como consequência erigiu-se progressivamente um quadro em que os pedigrees desses objetos passam a ser os principais determinantes dos valores atribuídos por especialistas. Quanto mais exposta uma peça, quanto mais antiga é a sua presença em coleções particulares ou em museus, maior será o seu preço no mercado. É claro que os especialistas vão mencionar outros fatores, tais como, raridade, expressão, originalidade, etc. Todavia, o fator preponderante é o pedigree e este obviamente é uma conseqüência em parte das características mencionadas acima, mas também de uma série de fatores ocasionais. E a prova disso é a insistência com que são mencionadas questões exógenas à obra de arte, como quem a encontrou, quem a comprou, por quais leilões passou, etc. Existem, portanto, dois mercados paralelos de objetos de Arte Africana. O primeiro é o que passa por galerias de prestígio e leilões internacionais e onde o pedigree da obra é o que conta, e o segundo, em que estilo, originalidade e esta intangível espiritualidade que somente a verdadeira arte exprime é que determinam a sua importância.

 

Créditos de imagem: maaneo.blogspot.com.br, worthopedia.s3.amazonaws.com


Publicado no Estado de São Paulo 05/08/2009

 

Foto principal que ilustra este artigo: da mostra “Gênese e Celebração: Coleção de peças africanas do acervo de Rogério Cerqueira Leite”, que reúne cerca de 200 peças de diversos formatos artísticos, como esculturas, máscaras e objetos de materiais de madeira, marfim, entre outros que estiveram expostos no espaço da Pinacoteca do Estado de São Paulo entre os dias 10 de novembro e 28 de janeiro de 2013.

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