“Pessoas que ainda dizem que não foi golpe. O que comem? Como vivem? O que leem? [Quais programas assistem na ‘GloboNews’?] Ruy Braga
Por Gustavo Gindre
A gravação da conversa entre Romero Jucá e Sérgio Machado deixa um enorme legado de lições a serem aprendidas, que requerem a capacidade de ir além da torcida de futebol a que foi reduzida a análise política. Trata-se de uma aula sobre a política nacional e sua complexidade.
Algumas lições são bem óbvias, mas não deixam de ser interessantes, justamente por terem sido ditas por um ator relevante.
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O STF faz política no varejo. Isso implica em uma total desmoralização de nossa suprema corte. Ao que parece, contudo, Teori Zavascki foge à regra e se mantém distante do varejo político. E sua indicação é criticada como sendo de um “burocrata”, ou seja, de alguém de fora do jogo político.
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Os militares estão sendo informados e, mesmo à distância, monitoram a situação. Sinceramente, não acho que estivesse na agenda deles qualquer tipo de intervenção. Mas os políticos gostam de mantê-los por perto e eles, claro, não recusam a deferência.
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Os tucanos foram secundários nesse processo e perderam a capacidade de liderar a direita. E entraram nessa não apenas para tirar o PT do governo como para evitar que as investigações chegassem neles.
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Aécio tem um telhado de vidro gigantesco que o impede de ser um candidato de direita realmente competitivo.
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Renan odeia Cunha.
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Renan não confia em Temer.
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As delações das empreiteiras são “seletivas” (sic). Mas há lições não tão óbvias assim e essas são as mais interessantes.
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Segundo Jucá, os grandes nomes da política terão dificuldade em 2018. Se ele tiver razão, a porta está aberta para um aventureiro.
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Eduardo Cunha era o boi de piranha necessário para passar a impressão de que o objetivo não era tirar o PT do governo.
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A julgar pela avaliação de Jucá, Eduardo Cunha está liquidado. Nesse particular permito-me discordar do ministro do Planejamento. Sua influência permanece no governo Temer e apenas a possibilidade dele abrir a boca já o torna uma bomba relógio a ser evitada.
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Ainda segundo a interpretação de Jucá, Lula perdeu sua capacidade de interlocução com os setores empresariais e políticos. Esse é um dado interessante que desmitifica a idéia do que seria um governo Lula em 2018. É fato que Lula tem uma enorme capacidade de articulação, mas a extensão dessa capacidade estava diretamente relacionada ao sucesso de seu governo, o que, por sua vez, dependia dos ventos da economia internacional. Ou seja, a direita e o empresariado não aderiram à Lula, mas aceitaram uma aliança tática enquanto foi necessário. E agora simplesmente Lula não é mais necessário.
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Jucá também acha possível que Lula participe de um grande acordo para livrar a cara de todos. Um acordo que passe pelo impeachment, é bom frisar.
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Um dado interessante dessa conversa é que não há menção à interesses empresariais, nacionais ou estrangeiros. Isso não significa, obviamente, que o impeachment não atendeu a interesses da grande burguesia nacional e transnacional. Mas revela que a política tem seus ritmos próprios e uma relativa (!) autonomia frente às questões econômicas. É claro que se houvesse contradição entre os interesses de Jucá e sua quadrilha e aqueles do grande capital, ao final estes últimos iriam imperar. Mas isso não impede que os políticos tenham sua agenda e, principalmente, seu tempo próprios.
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É óbvio que a Procuradoria Geral da República (PGR) teve papel fundamental no impeachment ao não revelar essa gravação antes da votação.
Por fim, a conversa deixa algumas dúvidas que ainda demandam mais análise.
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A julgar pelo medo de ambos, a Operação Lava Jato fugiu do controle e ganhou vida própria. Por isso, Sérgio Moro continua sendo um personagem que carece de uma avaliação mais acurada, para além das mitologias simplificadoras: a serviço de tucanos; a serviço do grande capital; um justiceiro implacável.
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Por que, somente agora, a PGR resolve divulgar essa gravação? Qual seu interesse? E Por que através da Folha de São Paulo? Dada a ligação umbilical da Folha com José Serra, seria possível ver aí a marca do tucano? Por que? E por que agora?”
Blog AmoralNato [http://amoralnato.blogspot.com.br/]: 23/05/2016.
Gustavo Gindre. Jornalista.
Imagem: Lula Marques/ Agência PT