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A concepção d’A Arte da Fuga como testamento musical de Bach, obra composta às vésperas da morte do compositor já cego, e ditada, portanto a seu filho Carl Philipp Emanuel, foi aceita tradicionalmente sem qualquer exame crítico. Parece, entretanto, que está removida definitivamente, depois do exaustivo trabalho de Gustav Leonhardt, específico sobre essa obra. Musicólogos modernos acreditam que A Arte da Fuga foi elaborada lentamente durante os últimos oito ou nove anos da vida de seu autor, ficando incompleta apesar do afã com que Bach nela trabalhou durante seus últimos dias de existência.

É indiscutível o caráter didático dessa obra-prima, embora muitos especialistas prefiram denomina-la teórica, tanto quanto A Oferenda Musical. Com isso querem os especialistas dizer que Bach, ao escrever um tratado sobre a técnica de composição da fuga, preferiu elaborar um compêndio de exemplos com cada fórmula fundamental representada. Essa percepção d’A Arte da Fuga é certamente verdadeira, mas não é tudo. Bach era por demais realista e essa sua obra é também concebida para ser tocada e ouvida. Se serve como tratado teórico para alguns, deverá servir também para o deleite espiritual de todos. E é realmente uma das obras mais expressivas de Bach. Infelizmente a denominação de teórica induziu à crença de que era uma obra abstrata para a qual Bach não previra qualquer instrumento específico. Todavia, após os estudos musicológicos dessas duas últimas décadas, e principalmente o tratado de Leonhardt, não resta dúvida alguma de que Bach concebeu A Arte da Fuga para um instrumento de teclado e muito provavelmente o cravo.

Foi tal convicção que nos fez considerar essa peça quando examinamos a música para cravo de Bach. E apenas como lembrança, nessa preferência fica com uma das várias gravações do próprio Leonhardt e mais precisamente aquela que fez com a excelente cópia de um Dulcken* de 1745.

No órgão, A Arte da Fuga foi gravada pela primeira vez, creio, por Walcha, mas hoje a versão de Marie-Claire é mais límpida e radiosa. Rogg é pesado e pretensioso, enquanto Tachezi parece, apesar do fraseado seguro e claro, sem convicção.

Recomendo, entretanto, para aqueles pouco familiarizados com a linguagem de Bach e que se contentam com apenas uma versão, aquela de Ristenpart com a Orquestra de Câmera do Saar e um conjunto de solistas. De sonoridade brilhante e ao mesmo tempo de fraseado expressivo e límpido. Além do mais, tem como complemento as melhores interpretações das Trio-Sonatas para dois violinos e das Trio-Sonatas para violino e flauta. O conjunto pode ser obtido na Musical Heritage Society dos EUA. Ristenpart traz também mais uma versão d’A Arte da Fuga com outro grupo de solistas, lançada pela Musidisc.

Satisfatórias, embora sem o mesmo grau de expressividade de Ristenpart, são as gravações de Karl Münchinger e Marriner. Com um tom sinfônico que muitos reprovariam é, entretanto, bastante atraente a versão de Baschai com a Orquestra de Câmera de Moscou.

Em grau mediano, ou seja, versões que merecem ser evitadas, ficam as interpretações de Redel e Frygies. O Collegium Aureum também não convence, pela timidez e excesso de isenção.

A Oferenda Musical, composta enquanto A Arte da Fuga estava em sua prolongada gestação, é também um pequeno compêndio formal, mas, igualmente ao que ocorre com A Arte da Fuga, constitui imenso reservatório de expressividade. E também não é destituída de drama e emoção. Dentre as versões para orquestra de câmera moderna as de Münchinger, de Baumgartner e de Paillard são as mais convincentes. No caso, entretanto, parecem bem claras as vantagens de uma concepção camerística. Então o Leonhardt Consort dirigido pelo seu líder está impecável. Harnoncourt e seu Concentus Musicus é uma segunda opção aceitável. Assim como também ocorre com Menuhin e o grupo do Festival de Bath. Em nível pouco abaixo está a interpretação de Richter para a Archiv. Não conheço a gravação do excelente grupo Musica Antiqua de Colônia, recentemente lançada, mas posso prever algo de muito interessante.

*N.E.: O autor refere-se à cópia feita pelo grande construtor contemporâneo Martin Skowroneck (Bremen) do cravo do construtor flamengo Johann Daniel Dulcken (Antuérpia-1745).

Nota – Do livro do autor Um Roteiro para Música Clássica. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1992. 705p. Publicado originalmente no jornal FSP: 12/02/1984.

Johann Sebastian Bach

Toccata and Fugue in D Minor

Marie-Claire Alain

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