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A música orquestral de Bach é o seu maior sucesso atual. São encontráveis pelo menos vinte versões distintas de seus Concertos Brandenburgueses e outro tanto de suas Suítes (Ouvertures). Quando a quantidade de opções a serem analisadas se torna excessiva é conveniente a adoção de conceitos que permitam uma classificação de natureza didática. Creio que nesse caso há três classes razoavelmente bem definidas de concepções gerais que regeram as interpretações existentes dos Brandenburgueses e das Suítes. Ainda na era dos 78 rpm, utilizavam-se orquestras de câmera que eram réplicas dos conjuntos Clássicos da época de Haydn e Mozart, mas cujo caráter sinfônico era certamente estranho à música de Bach. Não obstante, muitas interpretações memoráveis datam daquela época como por exemplo as de Koussevitzky, de Busch e de Boyd Neel.

Herdeiros dessa concepção, que eu denominaria sinfônica ou romântica por falta de termos descritivos mais apropriados, são as versões correntes de Klemperer e de Karajan, por exemplo, que no gênero são aceitáveis. Abbado e Britten também se situam nessa categoria e essa última é possivelmente a mais atraente porque realça o espírito Barroco dessas obras.

No extremo oposto conceitual estão as versões que adotam instrumentos da época de Bach, além de um esforço perceptível para recompor práticas interpretativas da época. Esse estilo hoje extremamente difundido, que eu pessoalmente considero em transição, é o preferido do ponto de vista musicológico, mas não é necessariamente o mais bem-sucedido até o presente momento. Devido ao caráter ainda não sedimentado dessa concepção seria provável um amadurecimento progressivo e, consequentemente, a expectativa é de que as versões mais recentes seriam, como regra geral, as melhores. E, de fato, as duas últimas versões com Leonhardt e Linde são as mais bem-sucedidas. As interpretações do Collegium Aureum e de Harnoncourt desempenharam papel importante na progressão, mas hoje parecem em grande parte equivocadas.

É possivelmente em uma linha intermediária, em que requintes acadêmicos, como por exemplo a adoção de instrumentos da época, são dispensados, mas que, não obstante, grande esforço é feito para se ater ao estilo de Bach, que residem os maiores sucessos até o momento. Nessa terceira linha interpretativa o rigor acadêmico é submetido ao império do gosto dominante. E todos os meios disponíveis são utilizados para ampliar a satisfação do melômano, incluindo-se os instrumentos modernos, contanto que não interfiram com a expressão própria das obras em questão. São usados, nesse conceito, cravos e não pianos, flautas-doce e não a flauta transversal, mas não há necessidade de gambas ou de flauta traverso ou de trompas naturais. São evitados coros instrumentais excessivamente numerosos, mas não são reduzidas as partes a um único instrumento de cordas ou dois.

Dentro da categoria Baumgartner e a Orquestra do Festival de Lucerna conseguem aliar vigoroso ritmo incomparável a uma grande expressividade melódica. Infelizmente a Archiv substituiu essa excelente versão por uma bastante inexpressiva de Richter. Todavia a Eurodisc relançou Baumgartner recentemente com o mesmo grupo instrumental. Não sei, entretanto, se é nova versão ou reedição.

Nessa mesma terceira categoria, versões mais modernas de qualidade comparável são as de Marriner, de Leppard e de Paillard; Menuhin e a Orquestra do Festival de Bath não estão mal. E Ristenpart nos oferece, como sempre, uma interpretação deliciosa apesar de alguns pecadilhos acadêmicos.

Pouco convenientes são as interpretações de I Musici, Redel e Münchinger.

Além dos Concertos Brandenburgueses e das Suítes Orquestrais, Bach nos deixou Dois Concertos para violino, um para dois violinos, um para flauta, violino e cravo, e Treze Concertos para um ou vários cravos. Mas antes que algum musicólogo me corrija é bom explicar que os especialistas estão convencidos de que todos esses Treze Concertos (mais um inacabado) são transcrições de concertos para outros instrumentos. De fato, os três já mencionados para um e dois violinos são idênticos a três dos treze existentes para cravo, como também um outro desses últimos é simplesmente a transcrição do Quarto Brandenburguês e outro, para Quatro cravos, é uma transcrição direta de um exuberante Concerto para quatro violinos do Estro Armonico de Vivaldi. Não é, portanto, de estranhar que se tenha tornado uma prática frequente a reconstituição dos oito concertos restantes a partir dos manuscritos de Bach de suas transcrições para cravo. Certamente um prato cheio para musicólogos dedicados. Entretanto, a julgar pelos três magníficos Concertos para violino que foram salvos em sua forma original, as versões reconstituídas representam deplorável fracasso, apesar da aparente simplicidade da técnica de reconstituição.

Na sua transcrição para um ou vários cravos, os Treze Concertos, mais aquele incompleto (mas reconstituído), tiveram a primeira grande versão integral com Leonhardt e seu Consort no final da década de 60 e permanece até hoje imbatível, apesar do uso de um único instrumento para cada parte, o que dificulta a fusão de timbres. Duas versões extremamente promissoras estão sendo lançadas sob a direção de Koopman e Pinnock respectivamente. Não conheço essas novas versões, mas de tudo que sei desses dois grandes artistas e de suas concepções musicais, posso garantir que essas coleções serão mais que satisfatórias. Há uma infinidade de versões isoladas e de grupos e o que já foi dito acima para os Brandenburgueses serviria como eventual orientação.

Quanto às gravações existentes dos Concertos para um e dois violinos, ainda é válida a classificação proposta para os Brandenburgueses e para as Suítes. Dentro da concepção sinfônica minha preferência fica com os Oistrakh, uma vez que a versão clássica Menuhin – Enesco dos anos 40 não é encontrável. Perlman e Zukerman são brilhantes, mas pouco expressivos nos andantes. Stern e Heifetz apresentam versões tradicionais no repertório, mas dispensáveis. Grumiaux e Krebbers são mais convincentes.

Na linha acadêmica a melhor é a de Jaap Schröder com o Musica Antiga de Londres. Harnoncourt e seu grupo são, como de costume, excessivamente isentos. Como também Ayo com I Musici. Nessa linha Melkus e o Capella Academica de Viena são preferíveis. Para o BWV 1044 (violino, flauta e cravo) recomendo Brüggen e o grupo Leonhardt.

Nota – Do livro do autor Um Roteiro para Música Clássica. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1992. 705p. Publicado originalmente no jornal FSP: 19/02/1984.

Johann Sebastian Bach

Brandenburg Concerto 4 In G BWV 1049-1Allegro

Lucerne Festival Strings

Rodolf Baumgarther

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