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Quem assiste filmes policiais americanos certamente já observou uma técnica elementar de identificação de criminosos que consiste em expor a testemunha uma sucessão de imagens de partes parciais de rostos humanos. Assim, usa-se uma sucessão de narizes, de queixos, de orelhas, de olhos, etc., com o que a testemunha compõe a face de suspeitos. Expertos esses policiais americanos.

Todavia, não foram os americanos que inventaram esta técnica. Durante a Dinastia Qing (leia-se Tching) (1644–1911), tornou-se obrigatório para dignitários de várias categorias e suas famílias contratarem pintores para fazerem seus retratos. A demanda foi tão grande que as oficinas não venciam. Formaram-se então inúmeras escolas para suprir estas necessidades. Foi então desenvolvida uma técnica simples e eficiente. O aprendiz usava esboços de partes da face. Por exemplo 23 narizes, 37 arranjos de olhos e sobrancelhas e cílios, 19 bocas e assim por diante, compondo o retrato pela comparação com as partes da face do modelo. A técnica não é assim tão absurda pois é biologicamente coerente, uma vez que o número de genes e de possíveis arranjos genéticos é finito. E sendo tais arranjos os responsáveis pelas características físicas dos seres vivos é de se esperar uma quantificação, ou melhor, um número limitado de possíveis feições humanas.

Parece, portanto, aceitável a ideia de um número limitado de arranjos dos elementos musicais, que organizem a composição musical. Com isso, entretanto, a criação se aproxima do artesanato. A morte de Boulez deverá recolocar esse problema, pois foi ele quem mais propugnou por uma solução organizacionista para a música do futuro. Não estou dizendo que Boulez foi antes um artesão que um artista, pois a música sobrevive em qualquer mente criativa. Schoenberg, Webern, Alban Berg sobreviveram a esta tentação. Boulez, já não sei. A burocratização nele alcançou o nível daquela de alguns poetas concretistas. C’est la vie.


Imagem: vocalmania.ru

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