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Por Marcelo Leite

Ninguém em sã consciência jogaria no lixo um estudo sobre o futuro próximo do país realizado por algumas de suas melhores instituições. Não, em especial, se ele concluísse que a mudança climática previsível implica riscos graves para os setores de energia e agricultura.

Mas o novo ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) se chama Roberto Mangabeira Unger. E este país é o Brasil, “Pátria Educadora” – pode chamar também de “Madrasta do Planejamento“.

O estudo se intitula “Brasil 2040”. Teve início em dezembro de 2013, sob a coordenação de Sérgio Margulis, economista que trabalhou duas décadas no Banco Mundial e chefiava a área de Desenvolvimento Sustentável da SAE.

Mangabeira Unger desmontou a equipe e truncou a pesquisa, que deveria estar pronta e acabada antes de junho. Margulis se aposentou e vai fazer outros trabalhos no Rio. Natalie Unterstell, diretora do estudo, pegou uma bolsa em Harvard e vai de veleiro para Cambridge (EUA).

Faltou pouco para o “Brasil 2040” ser finalizado. Ele partiu de cenários climáticos para o Brasil criados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que utilizou quatro modelos de computador para calcular que a temperatura no país pode subir entre 3°C e 6°C em três décadas.

Numa segunda fase, também já concluída, instituições como Coppe/UFRJ e Ipea partiram dessas projeções para estimar o impacto potencial sobre recursos hídricos, geração de energia, agricultura, saúde e infraestrutura (estradas, portos, cidades, represas etc.).

Faltou completar a terceira etapa: reunir tudo num conjunto de propostas e prioridades para adaptar o país à mudança do clima. Ninguém sabe o que vai ser feito com essa pilha de informação, que contém coisas de arrepiar.

Entende-se que ninguém em sã consciência goste de levar más notícias para a presidente Dilma Rousseff, menos ainda um ministro novato. Médio: Mangabeira já ocupou a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) quando foi criado e as más línguas diziam que se chamaria Secretaria de Ações de Longo Prazo (Sealopra).

O ministro, se desse curso e consequência ao “Brasil 2040” – como deveria, para não desperdiçar recursos públicos –, teria de informar ao Planalto que o aumento de temperatura pode acarretar diminuição de chuvas de 15% no Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO) e de 10% no Norte (N).

Nas regiões SE/CO se concentra 70% da geração de eletricidade no país. A região N é a única do território com potencial hidrelétrico pouco explorado, e nela as empreiteiras enrascadas na Lava Jato se dedicam a erguer colossos bilionários como Belo Monte (Xingu), Jirau/Santo Antônio (Madeira) e São Luís (Tapajós).

Menos precipitação implica vazão diminuída nos rios. A pesquisa abortada pela SAE avaliou vários cenários, e em alguns deles a afluência para usinas como Belo Monte, Serra da Mesa, Tucuruí, Xingó e Sobradinho pode diminuir até 30%, quiçá 60%.

No setor agrícola, o efeito seria diminuição das áreas de baixo risco para várias culturas: soja (até 39%), milho (até 16%), feijão (até 26%), arroz (até 24%)…

A SAE encolheu-se diante da responsabilidade de propor o que fazer a respeito e só tem olhos para a educação (errando na mosca, pode-se dizer). Falta saber o que fará com tais dados o Ministério do Meio Ambiente, cuja ministra se chama Izabella Teixeira

Publicado no jornal FSP (19/04/2014).

Marcelo Leite. Jornalista.


Créditos de imagem: socioambiental.org

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