Em Cinema, Destaques

O Cinema Brasileiro, hoje em dia, está em crise. Nunca se produziram tantos filmes de longa metragem como atualmente, nunca houve tantos festivais quanto hoje. Mas o Cinema Brasileiro está em crise.

Esta afirmação produz imediatamente duas perguntas. A primeira é: “que crise é esta?” E a segunda é: “quando o cinema brasileiro não esteve em crise?”

Preciso lembrar, antes de tudo, que eu sou um cineasta e não um crítico, nem um pensador sobre o cinema, nem um economista interessado na área, nem mesmo um cinéfilo. Portanto, minha visão sobre estas questões trazem um viés muito particular, que é o de quem trabalha produzindo, escrevendo e dirigindo filmes, sobretudo documentários. Eu olho para o cinema de dentro dele, mas quase da sua periferia. Há muito de pessoal nisto.

Então, pensando inicialmente na segunda questão, quando o Cinema Brasileiro não esteve em crise?

Desde, pelo menos, o começo da década de 1930, a presença massacrante do cinema estrangeiro, sobretudo americano, em nosso mercado cria um cerco, um espaço reduzido onde o nosso cinema pode evoluir. Portanto, a luta do cinema brasileiro se dá nessa margem que sobra, ela é marginal dentro de nosso próprio mercado. E falar em crise ou não crise é discutir como nosso cinema aproveita essa margem, tanto do ponto de vista comercial quanto do ponto de vista artístico, de criatividade, de invenção e de interferência cultural e política em nossa realidade.

Houve momentos em, que o cinema brasileiro soube aproveitar comercialmente essa margem, como no ciclo da chanchada. O surgimento de um tipo de filme (um modelo, uma tendência?) que começa como imitação farsesca do musical americano,  incorpora a malandragem e o ritmo carioca, acaba por se tornar um sucesso de público. Os filmes da chanchada vão sustentar vários estúdios, como a Atlântida ou a Cinédia, dar bons resultados de bilheteria e permitir uma continuidade de produção. Há um momento, nos anos 50 em que parece ser possível afastar a crise do nosso cinema: filmes são produzidos, comercializados e vistos – embora raros deles tenham uma proposta mais séria do que a diversão quase circense para um publico eminentemente popular. Tentativas de pegar uma carona nesse sucesso, produzindo filmes mais “sérios”, ainda que igualmente imitando o cinema americano (na forma de produção e na linguagem), como a experiência da burguesia paulistana na Vera Cruz, fracassam.

Esse momento particular do cinema brasileiro vai acabar no final da década de 50, com a mudança na platéia, cada vez menos “popular”, com o encarecimento da produção estrangeira (cor, cinemascope, som estereofônico e entradas mais caras), com o surgimento de uma ideologia desenvolvimentista que pressiona o cinema a se adaptar aos novos tempos, tanto no aspecto de mercado quanto na proposta cultural que apresenta.

Nesse clima surge o Cinema Novo. Propostas temáticas e culturais inovadoras, mas sem sustentação no mercado. A produção dos filmes tinha, na sua maior parte, o apoio de investidores privados. Esses filmes não tiveram resposta significativa de bilheteria, embora seu sucesso de crítica tenha sido imenso, inclusive fora do país.

Durante um bom tempo o Cinema Novo era sinônimo de Cinema Brasileiro. Mas o golpe militar em 1964 não ficou “satisfeito” com esse sucesso e fez cair sobre essa tendência a fúria da censura. Isso e pequena resposta comercial acabaram afundando o Cinema Novo. Logo em seguida surge uma tendência que recebeu o apelido de “udigrudi”, corruptela de underground, que tentava driblar a censura com uma narrativa intensamente metafórica. O resultado dessa escolha fez que esses filmes ficassem ainda mais longe do público.

É necessário notar que não havia nenhuma política oficial do cinema. Depois da crise das chanchadas e dos estúdios que a produziam, bem como do final da experiência da Vera Cruz, nada havia sido posto em seu lugar, do ponto de vista comercial.  O Cinema Novo foi, em minha opinião, o ponto mais alto da qualidade cultural de nosso cinema, mas expressou, também, um longo período de crise na produção cinematográfica.


Créditos de imagem: pt.slideshare.net

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