Em Conjuntura Internacional, Destaques

Por Fábio Alves

A compra de 23% do capital da CPFL Energia, que pertenciam à construtora Camargo Corrêa, pela estatal chinesa State Grid foi apenas o último ato do que promete ser uma empreitada de lances audaciosos: a invasão do setor elétrico brasileiro pela China. Nos cálculos dos analistas do banco Goldman Sachs, algo entre R$ 65,6 bilhões e R$ 102,6 bilhões em ativos do setor elétrico (nas áreas de geração, transmissão e distribuição) devem se tornar disponíveis para venda, o que levou os analistas a considerarem 2016 como o ano de oportunidades acima da média para operações de fusão e aquisição nesse setor no Brasil. Uma conjunção de fatores deve atrair os chineses e outros investidores estrangeiros para empreendimentos já prontos ou em construção no setor elétrico: o colapso fiscal que impede o desembolso do investimento público; escassez de crédito para financiar os grandes projetos no setor; os efeitos econômicos da Operação Lava Jato, forçando várias empreiteiras a se livrarem dos negócios na área de geração; a necessidade de venda de ativos da Eletrobrás; o dólar mais forte, entre outros. 

Diante do apetite chinês, uma questão deve ser analisada com cuidado: quão saudável é ter um número elevado de ativos num setor tão estratégico como o elétrico nas mãos de um único país? Desde 2010, apenas a State Grid e a China Three Gorges (CTG), outra estatal chinesa, investiram pelo menos R$ 38 bilhões na compra de ativos de geração, transmissão e distribuição no Brasil, conforme levantamento da repórter Anne Warth, especialista no setor elétrico. A expectativa é de que não somente essas duas empresas arrematem mais empreendimentos nas próximas semanas e meses, como também outros investidores chineses desembarquem no Brasil e abram as carteiras. O ponto crucial na questão da concentração de ativos no setor elétrico pela China recai sobre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), considerada como a entidade reguladora e fiscalizadora que melhor cumpre seu papel entre seus pares. Se a Aneel seguir desempenhando com a capacidade já reconhecida em defesa dos consumidores brasileiros, é razoável esperar que a vinda dos chineses somente deva melhorar a eficiência do setor elétrico, resultando em maior competitividade para a economia brasileira, uma vez que a eletricidade é um custo importante em praticamente toda a cadeia produtiva do País. 

Ao contrário de outros segmentos da economia, como o de montadoras de automóveis, as empresas chinesas têm uma reputação de excelência no setor elétrico. Vários analistas acreditam que a gestão dos chineses no longo prazo terá um desfecho diferente do que se considerou em relação a outros investidores estrangeiros, como a americana AES, cujo histórico de desempenho ficou muito aquém do esperado em termos de eficiência no atendimento ao mercado mais cobiçado do País, o da cidade de São Paulo. Outra vantagem da invasão chinesa está no lado fiscal. O custo do capital na China é bem inferior ao do Brasil. E os grupos nacionais atuando no setor elétrico sempre tiveram um histórico de dependência dos financiamentos subsidiados do BNDES, o qual recorreu a aportes bilionários do Tesouro Nacional nos últimos anos. Ou seja, o contribuinte brasileiro invariavelmente financiou a expansão do setor elétrico. 

Os chineses vêm fazendo os investimentos sem recorrer aos recursos públicos do Brasil. Isso se torna mais relevante em um momento de necessidade de ajuste fiscal do setor público e também de redimensionamento da estratégia de atuação do BNDES. A desconfiança em relação ao avanço da China sobre um setor tão importante para a economia do País é natural, porém infundada até o momento. A realidade é que as sociedades mistas nacionais do setor elétrico – federais ou estaduais – são reconhecidamente ineficientes, muitas delas inchadas de funcionários, vulneráveis a interesses políticos, guiadas pelo corporativismo e pouco ágeis nas suas decisões. No pior das hipóteses, se, num exemplo extremo, as empresas chinesas venham a enfrentar problemas econômicos ou financeiros no país de origem, elas não poderão levar do Brasil as linhas de transmissão ou as usinas hidrelétricas. É só cassar a concessão.

O Estado de S.Paulo: 28/07/2016. 

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Fábio Alves. Jornalista.

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