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Editorial

Daniela Arbex volta às livrarias com este seu segundo livro, Cova 312 – A longa jornada de uma repórter para descobrir o destino de um guerrilheiro, derrubar uma farsa e mudar um capítulo da história do Brasil (344 páginas, R$ 39,90, com prefácio do escritor Laurentino Gomes) – menos de dois anos depois de seu premiado e surpreendente livro de estreia, Holocausto Brasileiro, que chocou e comoveu mais de 100 mil leitores no Brasil e em Portugal. Agora, ela desce ao submundo das prisões da ditadura para revelar um segredo militar: o destino do corpo de um militante político preso em 1967 e nunca mais visto.

Histórias como esta alguém poderia argumentar que existem várias: a ditadura militar prendeu, torturou, matou e desapareceu com muitos corpos até hoje reclamados por seus familiares. Mas como a história é narrada como um romance, misto de poesia e tragédia, por uma das maiores jornalistas investigativas do Brasil, o resultado não poderia mesmo ser comum. Em Holocausto Brasileiro, Daniela revelou o sofrimento dos 60 mil mortos num hospício de Minas Gerais e levou os leitores à revolta e às lágrimas com as tristes, comoventes histórias de uns poucos que sobreviveram e puderam contar suas doloridas experiências.

Em Cova 312, ela vai contar a história de uma só pessoa: o jovem (26 anos) Milton Soares de Castro, integrante do primeiro e frustrado grupo de guerrilha pós golpe de 64. A guerrilha — que jamais aconteceu — teria início na Serra do Caparaó, com apoio de Cuba e do ex-governador gaúcho Leonel Brizola, cunhado do presidente deposto João Goulart. Mas Milton foi preso em 1967 e conduzido para a Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora, Minas Gerais, para viver seu horroroso calvário. Ali morreu. Os militares forjaram documentos informando que se suicidara e o corpo desapareceu.

O tema pode parecer pesado e, como trata de episódio ainda mal resolvido da história recente brasileira, difícil de digerir. Seria assim, não fosse a capacidade prodigiosa de Daniela Arbex de transformar histórias trágicas em uma narrativa fluida, atraente, poética e, em alguns momentos, até divertida…”, escreve no prefácio, o escritor Laurentino Gomes.

Dentro dos muros daquela prisão existia um mundo secreto, estranho e terrível, cheio de opressão, injustiça, desesperança, sofrimento e horror. Daniela Arbex toma todos esses aspectos conflituosos e contraditórios para reconstituir magistralmente a curta vida, a morte e desaparecimento do corpo de Milton. Aos poucos ela vai revelando também a cinzenta rotina da prisão: torturas, resistência, amores, sofrimentos, pequenas e efêmeras alegrias que jamais se completavam. Mais de 20 personagens passam por aqui, entre eles alguns que sobreviveram e se tornaram bem conhecidos, como o ex-ministro Fernando Pimentel, que se elegeu prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais; Gilney Viana, que se elegeu deputado; Fernando Gabeira, ex guerrilheiro, escritor, deputado e jornalista; e Márcio Lacerda, que enriqueceu como empresário e se tornou depois também prefeito de Belo Horizonte.

Uma investigação que poderia ser rigorosamente fria transforma-se, nas mãos de Daniela, numa história cheia de ação e sentimentos. Ela vai longe: primeiro, descobre como Milton foi preso e quem era ele, seus sonhos, suas esperanças; depois, ela entrevista sobreviventes dos dois lados — oprimidos e opressores — e revela como foi a vida na prisão e como os militares montaram uma fraude para esconder seus crimes.

A jornalista cumpre com seu dever e revela como os fatos realmente aconteceram. Finalmente, descobre como Milton foi morto e como seu corpo desapareceu. Mas, não satisfeita com isso, ela passou anos atrás do corpo — 35 anos depois de seu desaparecimento — até encontrá-lo na Cova 312, que dá título ao livro. Ao final, revela — com documentos — a vergonhosa farsa: a ditadura havia mesmo forjado laudos que atestavam o falso suicídio de Milton Soares de Castro para assim ocultar o vergonhoso e cruel assassinato.

Uma história temperada de tragédia e emoção. Durante 35 anos os parentes de Milton ficaram sem notícias dele. Durante 35 anos sua mãe buscou pelo corpo do filho querido nas prisões da ditadura, onde só ouvia “nãos”. E assim, doloridamente, ela morreu. Sem poder se despedir daquele corpo que se encontrava, havia três décadas, na anônima Cova 312.

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Daniela Arbex é autora do best-seller “Holocausto Brasileiro”, eleito Melhor Livro-Reportagem do Ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (2013) e segundo melhor Livro-Reportagem no prêmio Jabuti (2014). Com mais de 100 mil exemplares vendidos no Brasil e em Portugal, a obra ganha as telas da TV em 2016, no documentário produzido com exclusividade para a HBO, com exibição prevista em mais de vinte países. Uma das jornalistas mais premiadas de sua geração, Daniela tem mais de vinte prêmios nacionais e internacionais no currículo, entre eles três prêmios Esso, o americano Knight International Journalism Award (2010) e o prêmio IPYS de Melhor Investigação Jornalística da América Latina (2009). Há vinte anos trabalha no jornal Tribuna de Minas, onde é repórter especial.

Geração Editorial 2015.


Imagem: Geração Editorial

 

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