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Por Marco Weissheimer

O documento “Uma ponte para o futuro”, divulgado pela Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, no dia 29 de outubro, parece muito mais uma iniciativa oportunista do que uma proposta alternativa séria para o Brasil. Além do conteúdo do documento ser a antítese do que a apresentação do mesmo propõe, o texto é equivocado na identificação dos principais problemas que o país enfrenta e nas soluções apresentadas. A avaliação é do economista Fernando Ferrari Filho, professor titular do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que participou de um debate promovido pelo Fórum 21, na Assembleia Legislativa gaúcha, sobre o documento apresentado pelo PMDB como uma proposta para a retomada do crescimento no Brasil.

Além de Fernando Ferrari Filho, o Fórum 21 convidou o ex-prefeito de Porto Alegre e ex-deputado estadual, Raul Pont (PT), e o deputado estadual Ibsen Pinheiro (PMDB) para participar do debate, realizado dia 1º de dezembro. O deputado peemedebista, porém, não conseguiu participar do debate, pois, na mesma hora, ficou envolvido em votações no plenário da Assembleia Legislativa. O documento vem sendo citado como um possível programa de governo de Michel Temer, caso o atual vice-presidente da República assumisse o poder no caso de um hipotético impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

“Documento critica política do governo como se o PMDB não fosse governo”

O economista da UFRGS apontou uma contradição básica entre o que o documento afirma na sua apresentação, defendendo a recuperação da capacidade do Estado de executar políticas econômicas e sociais, e o que propõe como alternativas para a retomada do crescimento, todas elas centradas na iniciativa privada. “O que é mais estranho”, observou Ferrari, “é que o documento critica o Estado e as políticas econômicas que vêm sendo implementadas pelo governo Dilma, como se o PMDB não estivesse na vice-presidência do país e não fosse o principal partido da aliança governista”.

Na avaliação de Fernando Ferrari Filho, o crescimento da economia brasileira decresceu por uma conjunção de fatores internos e externos. Em primeiro lugar, destacou, o país enfrenta problemas do lado da oferta, como escassez de oferta de trabalho, baixa produtividade, carga tributária elevada e complexa e infraestrutura precária. Em segundo, apontou problemas do lado da demanda. Para o economista, o governo errou ao priorizar políticas voláteis de aumento do consumo. Em terceiro lugar, chamou a atenção para a deterioração do cenário externo, com a desaceleração da economia chinesa, a continuidade da crise na Zona do euro e a queda do preço das commodities. Essa conjunção de fatores, observou ainda, fará com que o Produto Interno Bruto (PIB) caia 3,5% este ano e no ano que vem a situação deve ser ainda pior.

“Proposta do PMDB é samba de uma nota só”

Entre os principais problemas da economia brasileira hoje, Fernando Ferrari também destacou a desindustrialização da economia, com a perda de competitividade devido aos elevados custos de produção e a inserção de novos protagonistas no cenário internacional, como a Índia, o Vietnã e alguns países africanos. Juntamente com isso, a aceleração da inflação, o baixo dinamismo do PIB e o adiamento de reformas estruturais e institucionais, como a tributária e a previdenciária, formam os contornos gerais do quadro da economia brasileira hoje.

Neste contexto, afirmou o economista, a proposta de alternativa do PMDB é “um samba de uma nota só”: o problema central do Estado brasileiro é a crise fiscal, onde as despesas públicas estariam crescendo acima da renda nacional. “Isso não é verdade”, disse Ferrari. O que está crescendo acima da renda nacional, segundo ele, não são as despesas públicas, mas sim o déficit financeiro. Como alternativa a esse cenário, o PMDB propõe a reforma fiscal e a reforma do Estado, com a estratégia de desenvolvimento centrada na iniciativa privada. “O documento é absolutamente contrário com o que anuncia na sua apresentação, onde fala em recuperar a capacidade do Estado estimular a economia”. Ao invés de propor políticas para que o Estado possa ser o regulador, indutor e financiador da atividade econômica, o documento transfere essas responsabilidades para a iniciativa privada.

“Documento marca ruptura do PMDB com seu passado”

Para Raul Pont, o documento “Uma ponte para o futuro” marca uma ruptura clara do PMDB com o seu passado desenvolvimentista e com algumas ideias trabalhistas que haviam sido abraçadas pelo MDB. O texto, destacou Pont, fala abertamente em políticas de desenvolvimento centradas nos investimentos privados, com transferência de ativos, concessões amplas e retorno ao regime anterior de exploração de petróleo. Além disso, propõe a retomada de relações bilaterais com os Estados Unidos e a União Europeia, com ou sem parceria do Mercosul, e a desvinculação constitucional de gastos em saúde e educação.

“É um documento preocupante. Há cada vez menos partidos que reivindicam um projeto nacional. Esse texto pode ser assumido integralmente pelo PSDB. Acho que dificilmente o Ibsen (Pinheiro) assinaria embaixo deste documento”, disse ainda Pont, que manifestou preocupação com a continuidade da atual política econômica. “Do ponto de vista político, se atual política econômica for mantida e esse programa do PMDB for implementado”, estamos caminhando para uma ruptura.

Carta Maior: 07/12/2015.

Marco Weissheimer. Jornalista.


Imagem: Sinfronio / www.sinfronio.com.br

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