Em Conjuntura Internacional, Destaques

A recente visita ao Brasil de Li Keqiang, Primeiro Ministro da China, teve por certo uma dimensão bilateral. Acertaram-se os ponteiros entre os dois governos com relação a vários assuntos, e novas perspectivas foram abertas em alguns terrenos. Mas não se pode esquecer que o Brasil foi uma etapa de viagem mais extensa, estendendo-se a três outros países sul-americanos: Chile, Peru e Colômbia. Vista nesta outra dimensão, a passagem de Li Keqiang expressa a ampliação à América Latina de uma preocupação atual da China, descrita por especialistas como “geopolítica da infraestrutura”. Cuidarei, inicialmente, da dimensão bilateral.
O noticiário de imprensa anterior à visita de Li Keqiang deu relevo a que o dirigente chinês vinha preparado para assinar 35 acordos, que acarretariam investimentos da ordem de 53 bilhões de dólares. Na verdade, segundo levantamento da Folha de S. Paulo, apenas 14 dos acordos assinados têm recursos assegurados e alguma firmeza de serem cumpridos. São projetos nas áreas de aviação, petróleo, mineração e agronegócio. Brasília conseguiu assegurar recursos chineses para a compra de aviões da Embraer e navios da Vale, e uma reafirmação de que será suspenso o embargo à compra de carne brasileira. Reafirmou-se também a cooperação na construção de um satélite de monitoramento terrestre, projeto já em curso, e oferta foi feita à Petrobrás de sete bilhões de dólares em financiamentos, em troca de preferência na compra de petróleo. No terreno das boas intenções, foram assinados ajustes de colaboração cientifica entre o Observatório Nacional e o Observatório Astronômico de Xangai; com o Ministério da Defesa para a troca de experiências na área de telecomunicações; com a Eletronuclear para o desenvolvimento de tecnologias com ajuda de empresas chinesas; para o treinamento de bolsistas no quadro do Ciência sem Fronteiras; por fim, para o intercâmbio de atletas com vistas a desenvolver, no Brasil, a prática do badminton e do tênis de mesa.
De todo modo, a visita de Li Keqiang foi um marco na marcha das relações sino-brasileiras. Uma forte guinada está à vista, com sua orientação final à espera – como acentuou Matias Spektor (Folha, 22.05.15) – da capacidade que mostre o Brasil de bem gerenciar sua posição face à superpotência em emergência na atualidade. Numa primeira fase do relacionamento predominaram as trocas comerciais, multiplicadas por 25 em pouco mais de dez anos. A China suplantou os EUA, em 2009, como o maior parceiro comercial do Brasil, e foi o acúmulo de superávits, ano após ano, que forneceu ao governo brasileiro a base para uma política anticíclica, responsável mor da redução das desigualdades sociais, na década dos 2000. Mas a China era apenas o 12º investidor no Brasil, que exportava maciçamente matérias primas. Situação esta última típica da América Latina, como registra um recente relatório da Cepal: quase 90% dos investimentos chineses na região, entre 2010-2013, concentraram-se na produção e exportação de recursos naturais. A esperança é que o giro de Li funcione como o impulso inicial de uma segunda fase nos investimentos chineses na America Latina.
Chega-se, aí, àquela acima citada “geopolítica da infraestrutura”. Desde 2014, sob a orientação de Xi Jinping, a Quinta Geração de dirigentes chineses empenha-se na reconstituição do vínculo entre a China e a Europa que floresceu nos primeiros séculos da Era Cristã, conhecida como a Rota da Seda. O vínculo foi agora desdobrado em dois percursos: o Cinturão Econômico terrestre e a Rota da Seda Marítima do Século XXI, dos quais se fala, simplificadamente, como “Um Cinturão, Uma Estrada”. A “Estrada” parte do Mar da China do Sul, passando pelo Oceano Índico e o Mar Vermelho até o Mediterrâneo. O trabalho chinês não se limita, porém, a tocar a costa africana; projeta-se sobre a África e, mais além, a América Latina. Missão esta última posta em marcha pelo Primeiro Ministro Li Keqiang, ao propor o financiamento de ferrovias por onde foi passando no seu giro latino-americano. Trechos da Ferrovia Norte-Sul (Brasil). Ferrovia transcontinental, atravessando a Amazônia e os Andes (Brasil e Peru); ferrovia ligando a costa ocidental à costa atlântica colombianas (Colômbia). A China busca insistentemente escoadouros para seus excedentes em matéria de construção ferroviária, e a “Estrada” está chegando à América Latina com objetivos bem claros: usar a cooperação econômica para incrementar a influência política.
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Créditos de imagem: pensandoamericas.com

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