Em Conjuntura Internacional, Destaques

Por Amaury  Porto  de  Oliveira

Deixarei abater mais a poeira, antes de tentar dizer alguma coisa sobre a vitória surpreendente da candidatura Trump, e dedicarei esta coluna a identificar legados concretos que poderá deixar o governo Barack Obama, além do exemplo de um governo íntegro, sem escândalos. Começarei evocando o último discurso sobre o Estado da União, lido pelo Presidente no Congresso no dia 12.01.2016. Foi um resumo otimista dos triunfos que ele ainda esperava obter até o final de seu mandato, dentro da premissa da vitória dos Democratas nas eleições presidenciais do final do ano. A evolução política, no entanto, logo acumularia entraves contra os planos de Obama. A Corte Suprema, por exemplo, suspendeu em fevereiro seguinte regulamentos federais que determinavam reduções nas emissões de dióxido de carbono por algumas atividades industriais. E o candidato Trump cerrou combate contra a grande realização de Obama no âmbito doméstico: o plano de assistência à saúde, popularmente conhecido como Obamacare.

No quadro da política externa, duas grandes conquistas de Obama estarão na alça de mira do novo Presidente, mas a expectativa é que elas sobreviverão no essencial; a normalização das relações dos EUA com Cuba; e o acordo nuclear com o Irã.  Em fins de novembro, Obama realizou sua última viagem ao exterior como Presidente. Começou pela Grécia e foi depois à Alemanha para um significativo encontro com Ângela Merkel. Acabou o giro no Peru, que estava hospedando a sessão de 2016 da APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation). A reunião numa capital latino-americana de um bom número de personalidades com peso mundial colocou em foco a nova situação de Cuba. Durante sua campanha, Trump ameaçara mais de uma vez revogar ordens executivas de Obama que vinham desanuviando as relações cubano-americanas, a menos que o governo ditatorial em Havana “restaurasse a liberdade política na Ilha”. Obama tem chamado “irreversíveis” suas iniciativas em relação a Cuba, mas o fato de elas serem implementadas como ordens executivas facilitará decisões em contrário de Trump. É duvidoso, porém, que Trump leve muito longe suas ameaças. O comércio EUA-Cuba está em pleno florescimento. Trump é um magnata da indústria hoteleira, e esta, que sempre investiu fortemente em Cuba, já está aproveitando as brechas abertas por Obama para voltar a se expandir na Ilha. O grupo Sheraton abriu recentemente um luxuoso Four Points, em Havana, e há pelo menos três outros grandes hotéis a caminho. Passando ao acordo nuclear com o Irã, lembro que Trump também criticou vigorosamente, na sua campanha eleitoral, o trabalho do JCPOA (Joint Comprehensive Plan of Action), através do qual Obama procurava monitorar e expandir as obrigações assumidas por Teerã, em troca das aberturas que lhe tinham sido dadas, no tocante à indústria nuclear e ao petróleo. O governo Obama mostrava-se hesitante no seu trabalho de monitoramento, aparentemente para não provocar a desestabilização do acordo. Trump não terá, porém, de simplesmente retirar-se do acordo. Os observadores dão relevo às possibilidades de uma implementação mais rigorosa de certas medidas, como não deixar que companhias estrangeiras violem sanções internacionais, sem precisar pôr em causa o acordo nuclear.

A China foi alvo contínuo da ira de Trump durante a campanha eleitoral. O candidato republicano condenou práticas comerciais de Pequim; ameaçou marginalizar os chineses por seus métodos desleais; e anunciou a intenção de aplicar tarifas de 45% nos produtos importados da China. Trump insurgiu-se especialmente contra a PTP (Parceria TransPacífica), o acordo comercial que Obama negociou com pertinácia, durante cinco anos, com onze países da Ásia-Pacífico, entre eles três da América Latina. A sessão da APEC em Lima deu ensejo a que o Presidente chinês, Xi Jinping, fizesse sua terceira viagem à orla pacífica das Américas, com a intenção inclusive de aplacar as ameaças de Trump. Em Lima, Xi não fez menção às suas teses sobre o relacionamento entre superpotências, “vendo as mudanças no comando do lado americano do Pacífico como oportunidade para distender relações tensas” –conforme acentuou o Nikkei de Tóquio. O jornal nipônico mencionou (15.11.16) dois telefonemas de Xi para Trump, um de congratulações a 9 de novembro e o outro no dia 14, dando início a conversas apaziguadoras. Este segundo telefonema teria sido precedido de gestões do Embaixador chinês nos EUA para preparar o terreno, e os japonese pretendem saber que diplomatas chineses ativam-se nos EUA, buscando detectar caminhos que coloquem a China em posição favorável ao olhos do novo Presidente. Se Trump sepultar de fato a PTP, estará abrindo à China a oportunidade de promover seu próprio acordo de livre comércio na Ásia-Pacífico, a Parceria Regional Econômica Ampla (RECEP na sigla inglesa). A sessão da APEC veio a calhar para o trabalho da China, e houve em Lima muita agitação em torno da RECEP.

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Amaury  Porto  de  Oliveira. Embaixador.

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