Em Análises e Reflexões, Destaques

Quando eu tinha uns 15, 16 anos lembro-me de ter ornamentado o cômodo que me servia de dormitório, escritório e laboratório com fotografias de três ícones do humanismo, Mahatma Gandhi, Albert Einstein e Albert Schweitzer. Hoje, se eu tivesse 16 anos e ainda fosse o jovem inocente e idealista de então, certamente ajuntaria a esses três, o nome de Mandela.

Mas o que será, ou seria, comum a essas três ou quatro personagens legendárias que atrairia a afeição de um jovem de 15 ou 16 anos? Talvez fosse apenas o esnobismo de minha juventude. Mas, mesmo assim, não podemos deixar de indagar o que fez com que, até hoje, escolhamos essas específicas personalidades como paradigmas para a humanidade.

Brecht, em diálogo de sua peça sobre um outro ícone, Galileu Galilei, coloca na boca de discípulo do cientista a seguinte frase: “Pobre do país que não tem heróis”, ao que Galileu responde: “Pobre do país que precisa de heróis”. Brecht revelava sua consciência socialista ao denunciar o “culto à personalidade”. Ou seria apenas porque a idolatria constitui poder e a concentração de poder é necessariamente nefasta? Não é isto que Shakespeare denuncia em sua peça histórica “Júlio Cesar”, ao fazer o personagem central ser assassinado pelos seus próprios aliados em nome da democracia?

E Jesus Cristo, teria sido ele assassinado apenas por causa do poder que estaria acumulando? E seria maléfica toda liderança  carismática? E se Jesus voltasse e viesse fazendo seu proselitismo revolucionário, seria ele tolerado pelos Capitalistas? E pelos Socialistas? Teria Brecht razão?

Ninguém tem dúvidas de que a África precisava de Mandela, de que a Índia precisava de Gandhi e de que a humanidade precisou de Einstein. E Schweitzer, o herói esquecido?

Filho de pastor luterano, começou a estudar piano com 5 anos, mobilizado por uma audição do Tannhauser de Wagner. Formou-se em Filosofia e Teologia. Aos 20 anos era um organista consumado. Tornou-se o maior especialista em Bach de sua época. Seu catálogo das obras para órgão de Bach é até hoje padrão a seu tratado analítico da Música deste compositor é até hoje um dos melhores.

Já famoso mundialmente como intérprete de Bach, entrou para uma escola de Medicina e em seguida mudou-se para o Gabão na África, onde fundou e dirigiu um hospital para os pobres em 1913. Passou o resto da vida entre o órgão e o bisturi, por assim dizer. Dando concertos e às vezes colhendo doações para manter seu Hospital. O que nos impressiona é a sua renúncia a um mundo de glorias como concertista e musicólogo.

Gandhi compreendeu bem a importância dessa faceta de herói. Grande marqueteiro, adotou o visual asceta que o consagrou. Sem medo do ridículo tecia suas próprias roupas como se fosse possível um retrocesso tecnológico à idade da pedra. Patético certamente, mas que força carismática alcançou! E que seria de sua memória se tivesse permanecido com aquele terno e gravata com que começou sua carreira política? Sua vestimenta de anacoreta serviu como propaganda da renúncia que fez do conforto e da riqueza.

Temo que a memória popular de Einstein se deva mais à sua cabeleira desgrenhada do que aos seus inúmeros feitos intelectuais. E Mandela, teria sido ele tão glorificado não fora pelos 27 anos que passou na prisão?

Einstein anuncia com sua cabeleira alvoroçada tanto quanto Gandhi com suas sandálias, que renuncia aos ritos e benesses da vida burguesa, da mesma maneira que Cristo renuncia à própria vida para salvar a humanidade.

Estes exemplos mostram que a medida do herói está na sua capacidade de renúncia.

Créditos de imagem: pt.wikipedia.org

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