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Um pouco timidamente começa a comunidade acadêmica brasileira a se manifestar sobre o declínio de qualidade de sua própria produção científica. Um rápido histórico ajudará a compreender o problema.

Já na década de 1970, o fluxo de jovens cientistas brasileiros com formação no exterior, principalmente nos EUA, provocou a incorporação na cultura acadêmica local do preceito de que a produção científica, para ser válida, tinha de ser divulgada e avaliada internacionalmente.

Em seguida, já em finais da década de 80, após a publicação na Folha de uma lista dos pesquisadores brasileiros, ranqueados segundo o número de citações recebidas, passou-se a considerar relevante esse fator para medir o grau de inclusão do conteúdo de um artigo no corpo universal do conhecimento científico, ou seja, o grau de sua verdadeira contribuição científica.

Muitas das organizações de apoio à pesquisa adotaram critérios que levam em consideração publicações e citações de seus beneficiários, o que é absolutamente necessário.

Todavia esses critérios vieram a ensejar artifícios, para não dizer artimanhas, para ludibriar os sistemas de avaliação, usando, obviamente, algumas de suas compreensíveis falhas. Essa contingência não teria importância não estivesse ela sendo agregada sorrateiramente à cultura acadêmica brasileira. Listo alguns desses subterfúgios:

1. O pagamento de “pedágio” se estabelece quando um pesquisador consegue, por mérito ou oportunismo, apoderar-se de um meio de produzir dados. Com o que afluem outros pesquisadores ao seu laboratório e, como pagamento, incluem em artigos o nome do “dono da bola”.

2. “O compadrio”. Observa-se nesses últimos 15 ou 20 anos um crescimento do número de autores por artigo publicado. Grupos de pesquisas também cresceram, e o número de autores com frequência passa de 10 e às vezes chega a 20. A conclusão é de que há um acordo de cavalheiros entre membros de grupos para compartilhar autorias. O número de publicações e de citações é assim multiplicado.

3. O “franciscanismo” (dar para receber), intra ou inter, dependendo se a burla ocorre entre membros de uma ou de mais instituições. Com frequência começa como troca de gentilezas para depois degenerar em perversão consciente.

Essas e outras práticas vêm sendo estimuladas pela eclosão de publicações de “acesso aberto” (“open access“). São cerca de uma dezena de editoras, cada qual com uma centena ou mais de revistas na internet. Um pagamento que não passa de US$800 é praticamente a única exigência imposta aos autores.

Essa, porém, não é, como vem considerando a imprensa, a causa da corrupção, mas apenas um incentivador assessório. A inclusão, certamente inadvertida, de algumas dessas publicações dentre as homologadas por organizações de apoio à ciência é pouco significativa.

Algumas providências poderiam ser adotadas para reduzir essas perversões. Por exemplo: limitar o número de autores admitidos como tal em cada artigo, digamos a três ou quatro, ou alternativamente, adotar um índice em que o número de citações seja dividido pelo número de autores; referendar apenas artigos com um número mínimo de citações, digamos dez; caracterizar e identificar casos de “franciscanismo” e “compadrio”, o que é relativamente fácil.

Resta ver se é politicamente interessante para os caciques.

Publicado na FSP (06/03/2015)


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