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Insatisfeito com a minha própria conclusão, assim como com a convicção generalizada, de que o culpado do crime de “lesa-humanidade” configurado pela absurda preferência por termoelétricas a óleo combustível sobre hidroelétricas no planejamento futuro da oferta de energia elétrica no Brasil seria uma bem-intencionada coligação entre “ONGs do bem”, duros do IBAMA e equivocados procuradores de Justiça, espero aqui corrigir esse erro de julgamento.

Acredita-se que, ao erigirem obstáculos intransigentes – decorrentes da inépcia técnica e de superstições ecorreligiosas – às instalações de hidroelétricas, teriam essas coligações forçado o governo brasileiro a recorrer às termoelétricas a óleo combustível, poluidoras e causadoras de aquecimento global. Mas essa conclusão é inconsistente com algumas condições de contorno do próprio sistema decisório do setor.

Assim, recorro às origens da técnica criminalista básica usada universalmente para orientar uma investigação policial. Para isso, assessorei-me dos grandes especialistas históricos do crime. Coloquei em uma mesa redonda Sherlock Holmes, o comissário Maigret, Sam Spade, o Continental Op, Philip Marlowe e o indefectível Poirot. Foram unânimes. Uma enquete deve sempre começar com as perguntas óbvias: Quem ganha com o crime? O que ganha é motivação suficiente? Houve oportunidade? Dispõe o suspeito de meios materiais para a execução do crime?

ONGs, procuradores, burocratas ortodoxos, afinal, o que têm a ganhar é imponderável, subjetivo: holofotes por alguns dias, os tais 15 minutos de fama, um pouco de satisfação ideológica, talvez. Philip Marlowe mostrou-se cético. “Não chega, para mim não chega. E teriam eles, de fato, os meios materiais necessários?” O Continental Op, peremptoriamente, divergiu.

“Porém, eles são culpados de terem dado cobertura, por terem criado os pré-requisitos, por terem manipulado a opinião pública etc.” “Bem”, diz o pragmático Sam Spade, “se esses não são os principais atores, então deixemo-los de lado, pois só podem confundir a investigação. Comecemos pelo começo: quem mais ganha com esse crime abominável?”

Maigret é quem responde: “Sempre ouvi dizer que, no campo de energia, há dois parâmetros a serem considerados: os custos da energia, de um lado, e, de outro, os custos de investimentos. Devemos, pois, dividir a nossa busca em duas enquetes. Com a malfazeja escolha de termoelétricas a óleo combustível, quem ganha com a produção de energia? E quem ganha com os investimentos?”.

Publicado no jornal Folha de São Paulo. São Paulo. 31 de março de 2009.


Créditos de imagem: ecodebate.com.br

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